Caso Orlando Silva: Dilma tem chance única de fazer justiça e desmoralizar a imprensa
O ditado mineiro do ‘pau que bate em Chico também bate em Francisco’, bem aplicado, oferece à administração da presidenta Dilma Rousseff a oportunidade única de transmitir uma lição exemplar
Dilma deixou claro que, para trabalhar na equipe dela, é preciso ter ‘ficha limpa’, como é de gosto dos legalistas, e sequer merecer uma citação que seja nos meios conservadores de comunicação, ainda que estes jornais, revistas e canais de TV defendam, veladamente, a permanência dos esquemas criminosos de contraventores, latifundiários escravagistas, corruptos ligados à extrema-direita e outros bichos desta fauna. Fazem parte do bioma político. Para combatê-los, felizmente, estabelece-se a blogosfera, este organismo suprapartidário e independente, formado por centenas de cabeças e cérebros brilhantes o suficiente para enfrentar os canhões dos diários a serviço da selvageria, e seguir vencendo a batalha por marcos regulatórios na mídia nacional.
Hoje, no país, não apenas o que concerne à parte física, os aparelhos de trasmissão, torres, satélites, a infra-estrutura em si, essa parafernália que mantém os celulares, a internet e os canais de TV no ar, mas a quase totalidade da produção de notícias e entretenimento, o conteúdo intangível dos meios de comunicação, a maior parte é de propriedade da iniciativa privada.
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Até a privatização das teles, no governo de Fernando Henrique Cardoso, o meio físico de transmissão de dados estava disponível para qualquer cidadão brasileiro.
Obviamente, com o entulho autoritário que até hoje teima em sobreviver na máquina pública, esse ‘qualquer cidadão’ não era bem assim. Na ditadura, imposta para a defesa dos interesses capitalistas, em linha com os EUA, uns cidadãos são mais cidadãos do que outros. Como denuncia o best seller do jornalista Amaury Ribeiro, A Privataria Tucana, diante o despejo inexorável nas urnas, na eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, trataram de passar os bens públicos para as corporações privadas, aliadas ao governo da época, e seguiram adiante, ainda que esfacelados, no que restou de partidos como o DEM e o PSDB, ora em fase de reorganização no PSD, do prefeito paulistano Gilberto Kassab. Dinheiro, para essa turma, não falta.
Eleição após eleição, as agremiações partidárias apoiadas por aqueles donos da mídia perdem espaço político no Congresso. Mas o poder segue intocado no cartel dos veículos de comunicaçãoliderado por Veja, principal título da Editora Abril; O Globo, expoente impresso das organizações de propriedade da família Marinho, dona também da Rede Globo mais uma teia de afiliadas e retransmissoras de sinais de rádio e TV; os paulistanos Folha e Estado de S. Paulo e mais meia-dúzia de três ou quatro grupos familiares, todos ligados entre si.
Titulares de uma fatia considerável das cadeiras no Parlamento, os grupos econômicos internacionais que sustentam o cartel da mídia não têm nada de idiotas. Já perceberam o constante distanciamento dos interesses públicos daquele ideal de Estado mínimo defendido até o ocaso da Era FHC, já se vai uma década. De lá até agora, as mudanças têm ocorrido de sorte que o avanço não signifique a ruptura do tecido social e descambe para uma situação de conflito capaz de atingir, em cheio, o atual quadro econômico favorável do país, em meio a uma grave crise mundial. Isso é tudo o que os inimigos dos brasileiros querem.
Percebe-se, assim, que a presidenta Dilma pisa em ovos. Ainda mais quando precisa quebrar alguns para manter o peso do seu governo bem distribuído, de forma a não fazer uma gemada só. Por isso, difícil acreditar que os mecanismos de inteligência do país sejam tão obtusos a ponto de somente produzir arapongas para o esquema criminoso do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, e nenhuma outra informação relevante. Custa crer que, nos relatórios confidenciais entregues durante o café da manhã presidencial não constasse uma linha sequer sobre a ligação entre a mídia esgoto, que destila os piores venenos contra a inquilina do Palácio do Planalto, e a quadrilha que sangra os cofres públicos. A realidade, porém, é que se soube, se estava por dentro, manteve o olhar de federalista alucinada e, refém do bullyng midiático, continua até agora a liberar o apoio bilionário às organizações mantidas pela força do capital internacional, com a desculpa de que não há marcos regulatórios suficientes para romper a barreira do cartel que comanda o setor das comunicações no Brasil. E, assim, segue sustentando cada um deles com verba pública aos borbotões. Páginas e mais páginas de publicidade. Anúncios de 30 segundos que são uma beleza. A festa não para. Não enguiça.
Evidentemente, esta é uma situação ingrata, desconfortável para a mulher que sustenta o discurso reto de quem apanhou muito na vida até chegar ao posto mais alto da República. Da mesma forma, é de se pressupor que alguém como o jornalista Franklin Martins, que durante oito anos trabalhou para desvendar os meandros desse pântano do setor midiático brasileiro e ramificações e efluentes, não teve todo o esforço jogado no lixo, ainda que nada, ou pouco, tenha acontecido até agora para se acreditar no contrário, em alguma mudança no horizonte da regulamentação do uso de verbas públicas para o setor.
Mas a Justiça há de ser feita, se valer a sabedoria popular que mineiros como a presidenta valorizam tanto. Se o pau cantou para as bandas do então ministro dos Esportes, Orlando Silva, transformando-o no ‘Chico’ do noticiário que escorre a céu aberto, a ponto de ser tratado como lixo na Operação Faxina, como foi batizada no bordão dos espirratintas de aluguel, o mínimo agora é redimí-lo, após unanimemente inocentado – por absoluta falta de provas – pela Corte que o julgou.
Está na hora, então, do pau cantar nos ‘Franciscos’ que o prejulgaram. Nos representantes do cartel midiático que atiraram uma pá de lama no nome de um cidadão honrado que, ao longo de um ano inteiro, foi tratado como pária. A pancada mais séria, porém, muito mais do que agilizar o trâmite dos marcos regulatórios da mídia, seria reconduzir Orlando Silva ao cargo, do qual foi apeado pela calúnia, prática tão comum no manual de redação dos militantes da imprensa desonesta, que ainda deverá um solene pedido de desculpas ao ex-ministro.
Gilberto de Souza para o Correio do Brasil.