Luis Soares
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Geral 11/Ago/2012 às 02:26 COMENTÁRIOS
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O 'Maquiavel do Pacifismo', Gene Sharp dá aula de como derrubar tiranos

Luis Soares Luis Soares
Publicado em 11 Ago, 2012 às 02h26

Uma das frases mais célebres de Gene Sharp é “um ditador nunca é tão invencível quanto ele quer que você creia que ele é”

gene sharp

Há algo em comum entre os líderes das mais recentes revoltas: todos cultuam Gene Sharp. Foto: New York Times

O autor de Como começar uma revolução? e outros 20 livros traduzidos em mais de 30 idiomas com receitas didáticas para derrubar ditaduras sem pegar em armas esteve em Oslo na semana passada. Durante três dias, Gene Sharp (à esquerda) debateu com líderes de movimentos de protesto de 26 países, entre eles sírios, egípcios e nepaleses que vêm enfrentando repressão brutal, prisão e morte por reivindicar mudanças nas muitas primaveras espalhadas hoje pelo globo – algumas apoteóticas e muito midiatizadas, como a do Egito, outras lentas e de sucesso incerto, como a do Zimbábue.

O filósofo e professor emérito de Ciência Política da Universidade de Massachusetts Dartmouth, cotado mais de uma vez para o Prêmio Nobel da Paz e apontado como um dos inspiradores da revolução egípcia, tem hoje 84 anos, mas a idade não o impede de viajar o mundo debatendo ideias, mesmo em países hostis às suas publicações.

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“Um companheiro foi detido e condenado a sete meses por estar com páginas fotocopiadas de seu livro, senhor Sharp”, disse um moreno barbado de aspecto maciço, chamado Al Maskati Mohamed, representante da Sociedade dos Jovens pelos Direitos Humanos no Bahrein, uma ilha do Golfo Pérsico 2 mil vezes menor que a cidade de São Paulo, onde há alguns meses grupos de manifestantes vêm pedindo a renúncia do líder de uma dinastia que está há mais de 200 anos no poder. “Sete meses de detenção?”, retrucou Sharp. “Isso é quase uma ofensa para a minha obra. O que está havendo? Eu costumava ver dissidentes serem condenados a sete anos por possuir um exemplar dos meus livros”, disse Sharp, sem sorrir.

Com o corpo curvado sobre a bengala e uma voz rouca quase ausente, ele é a personificação da resistência serena. Cruzar o Atlântico numa exaustiva viagem de 12 horas até chegar a Oslo não abateu em nada esse senhor de cabelos completamente brancos e aparência frágil como porcelana. Entre 6 e 8 de junho, ele se fez presente numa longa reunião, de três dias, auspiciada pelas chancelarias da Noruega e da Suíça, para debater com alguns dos líderes dos mais ativos grupos de direitos humanos do mundo, para discutir o tema “Defensores de Direitos Humanos e Manifestações Pacíficas”.

Se há algo que o veteraníssimo Sharp conhece de perto é o risco de questionar governos. Nos EUA, ele passou nove meses numa cela por protestar contra o recrutamento de jovens para combater na Guerra da Coreia, nos anos 1950. A longa experiência lhe deu parte da preciosa bagagem necessária para irritar gente poderosa – e ganhar a pecha pouco criativa em muitas praças de “agente da CIA”.

Uma de suas maiores contribuições é um guia com 198 medidas pacíficas a serem tomadas caso você e seus amigos queiram derrubar uma ditadura. Há muitas dicas úteis, além das tradicionais marchas e protestos. Por exemplo, porque não organizar uma série de festas? Ninguém poderá dizer que se trata exatamente de um protesto e, num lugar fechado como a Coreia do Norte ou o Sri Lanka, isso pode ter algum efeito. Ou ainda mais simples: instruir o povo a simplesmente virar as costas às autoridades. Todos juntos, ao mesmo tempo. Parece ingênuo, mas estamos falando de rincões realmente obscuros.

Você também pode simplesmente ficar em casa. Ninguém sai na rua, não há protesto. Ou, ao contrário, combinar um dia para que toda a população vá andando ao trabalho, na mesma hora; deixe de pagar em massa determinada conta pública como luz ou água num determinado mês do ano ou combine um dia para que o máximo de pessoas saque dinheiro dos bancos no mesmo dia, na mesma hora. Nada disso? Então suma. Isso, ele propõe desaparições coletivas voluntárias como forma de abalar a “normalidade” que regimes fechados tentam manter a todo custo.

Apesar de escrever guias assim, Sharp se recusa entretanto a dar conselhos. “Se você está metido numa luta política, arriscando a sua vida, e vem pedir para que alguém de outro país lhe diga o que fazer, então, está perdido. É melhor parar e pensar”, adverte.

Ele diz que nada substitui a análise acurada dos fatos. “Um movimento pacifista maduro e bem articulado, com poder de análise competente, dificilmente não atinge seus intentos. Se algo sai errado, é preciso melhorar a análise, saber identificar as oportunidades, as brechas”, diz.

Para Sharp, a sacada não é exatamente sonhar em derrubar governos, mas “drenar de tal forma a confiança e o apoio do ditador que ele não tenha mais a quê poder renunciar. Que sua queda seja natural”. Uma de suas frases mais célebres é “um ditador nunca é tão invencível quanto ele quer que você creia que ele é”.

Foi assim na Sérvia, com a queda de Slobodan Milosevic, e na Ucrânia de Victor Yanukovych, onde os movimentos de protesto pagam enorme tributo a Sharp.

“Esses movimentos políticos são dramáticos e não acontecem porque as pessoas pensem que eles vão triunfar, porque pareça uma boa ideia no momento. Normalmente, isso é fruto da necessidade. Não se trata de cálculo”, diz para tentar explicar o que acontece, em parte, em países como a Síria e o Egito hoje.

Sharp é realista, quase cético, sobre o que acontece no Egito. Ele chegou a prever o golpe branco que os militares dariam uma semana depois, durante o segundo turno das eleições presidenciais – as primeiras depois da era Mubarak – delegando a si mesmas poderes legislativos biônicos. “Isso frequentemente acontece. Por isso é preciso ser muito cuidadoso”.

Sobre a Síria, ele diz que seria muita ingenuidade acreditar que um regime como o de Assad não recorreria ao uso de medidas brutais para reprimir os dissidentes. E sem completar a ideia, sugere que talvez fosse prudente esperar por uma janela de oportunidade mais clara para mudar o regime. Como um pacifista, Sharp não aposta fichas numa hipotética – e cada vez mais improvável – intervenção militar da ONU. Para ele, ou os movimentos aprendem a romper a lógica da violência, ou não passarão de mais um movimento no pêndulo de intolerância que produz mudanças de cargos, mas não de paradigmas.

Opera Mundi

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