Aloysio Nunes e a vergonha do passado esquerdista
Aloysio Nunes, vice de Aécio Neves, participou da oposição armada pela ALN e do assalto ao trem pagador. Hoje, considera tudo um erro
Em seu site pessoal, o candidato a vice na chapa de Aécio Neves, senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), resume em pouco mais de dez palavras o que foi boa parte da sua militância e principalmente os cinco anos de luta armada contra a ditadura militar pela Ação Libertadora Nacional (ALN), uma das organizações de guerrilha mais estruturadas na época do regime: “Por conta de ações contra a ditadura militar, precisou sair do Brasil”, diz o texto na seção “biografia” do tucano sobre o período de 1963 a 1968, antes do exílio na França. A razão pelo pouco destaque à própria história não é segredo. O tucano acha que sua postura naquele período foi um erro.
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Quase 30 anos depois do fim da ditadura militar, Aloysio Nunes vai disputar uma eleição presidencial justamente contra uma ex-companheira de luta. Assim como o senador tucano, a presidenta Dilma Rousseff participou da resistência à ditadura, mas por uma organização chamada Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). Os pontos em comum entre os dois param por aí. Apesar de terem lutado pelo mesmo objetivo, Aloysio e Dilma trilharam caminhos diferentes.
O senador conheceu os seus primeiros companheiros de luta quando foi presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP). Durante esse período, ele era filiado ao Partido Comunista Brasileiro. Mas foi na ALN, liderada por Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira, que ele ganhou importância na luta armada.
A militante Iara Xavier Pereira foi uma das pessoas que militou ao lado de Marighella na ALN. Irmã de Iuri Xavier – um dos líderes da organização que foi assassinado em 1972, Iara relembra o “apreço” com que Marighella falava de Aloysio Nunes. “Ele [Marighella] tinha uma confiança muito grande no Aloysio. Era muito bem quisto por ele. Falava muito bem do senador, que já era muito culto”, relembra ela.
Marighella e Aloysio atuavam muito próximos, entre outras coisas, porque o comunista não sabia dirigir e o senador ficava responsável pelo transporte do líder. De acordo com o biógrafo de Marighella, o jornalista Mário Magalhães, era com Aloysio que Marighella viajava, por exemplo, “quando soube que o congresso da União Nacional dos Estudantes havia sido descoberto em Ibiúna (SP), resultando em centenas de presos”, diz Magalhães em texto publicado no seu blog. Ainda segundo o autor da biografia Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo, por causa dessa função “até hoje os detratores [de Aloysio Nunes] pensam desqualificá-lo apresentando-o como ‘o motorista de Marighella’”.
Nessa época, o senador atendia, na maioria das vezes, por outro nome. Na clandestinidade, ele era chamado principalmente de “Mateus”. Foi com essa alcunha que o tucano participou de uma das ações mais ousadas da guerrilha durante a ditadura militar. Aloysio Nunes foi um dos protagonistas do assalto ao trem pagador Santos-Jundiaí, em 1968. Quem coordenou aquele ato, com o objetivo de conseguir dinheiro para sustentar a resistência armada, foi o ferroviário Raphael Martinelli.
Hoje, aos 89 anos, ele lembra que o senador era o motorista de um dos carros que recepcionou parte dos militantes com o dinheiro levado do trem. Armado com uma carabina, o então militante ajudou a colocar a carga no veículo e levou o dinheiro arrecado. “Tinha o grupo que fazia o serviço e o grupo que aguardava a descarga, né. Ele tinha que esperar onde o trem parasse, ali em Pirituba, para recepcionar os companheiros que iam descer com a carga. O Aloysio, além de fazer a segurança, estava para receber a carga do trem, o dinheiro. Todo mundo estava armado. Num ato desse a gente não ia com intenção de matar ninguém, mas tínhamos que estar preparados”, explica Martinelli.
Pouco tempo depois desse assalto, em 1969, o senador se exilou em Paris, onde passou a ter a função de dar suporte ao grupo. Além de dar abrigo a companheiros que também se exilavam no país, Aloysio buscou apoio de outros movimentos ou partidos de esquerda na Europa. Não por coincidência, se filiou ao Partido Comunista Francês. A própria Iara, por exemplo, chegou a morar “por um ou dois meses” com Aloysio Nunes e a esposa depois da morte de Joaquim Câmara Ferreira, o Toledo, na tortura, em 1970. “Ele [Aloysio] sai do Brasil por uma série de circunstâncias e fica montando uma estrutura de apoio em Paris até 1972 ou 1973”, conta.
Os companheiros de guerrilha não sabem dizer ao certo por que, mas é nesta época que o senador dá sinais de que teria mudado de opinião a respeito da guerra contra os militares. Com a morte de vários militantes e, principalmente, dos principais líderes da ALN, Aloysio Nunes deixa a organização e volta a se filiar ao PCB. O senador não respondeu às tentativas da reportagem de entrevistá-lo, mas disse recentemente à revista Época que esse período foi “superestimado” e que não diria ter “orgulho”.
“Esse período tem sido superestimado, ele não foi decisivo para a derrota do regime militar. Longe disso, até forneceu o pretexto para o recrudescimento da repressão. Eu não diria que tenho orgulho, mas sempre agi conforme as coisas que considero corretas. Foi o que fiz naquela época. A experiência mostrou que eu estava errado, não só pelo fracasso daquela forma de luta, como também porque ela não foi travada a partir de uma perspectiva democrática”, disse à publicação.
Os companheiros desse período explicam que a mudança de linha de pensamento, já que ele saiu de partidos comunistas para fundar o PMDB e se encontrar no PSDB, não é uma grande surpresa. Assim como ele, vários outros militantes da ALN entraram política sem necessariamente se alojar em partidos de esquerda. “Eu não sei dizer se [a mudança de opinião de Aloysio Nunes] surpreendeu. Não foi o único. Aliás foram muitos que seguiram um caminho parecido com ele”, diz o advogado Aton Fon Filho, que também integrou a ALN e chegou a participar de reuniões com Aloysio.
Mas alguns dizem que Aloysio Nunes nunca teve uma orientação marxista. “É próprio da juventude ser revolucionária. Então essa juventude era revoltada com a ditadura. A maioria era revoltado com as proibições, os sumiços de médicos, vereadores, mas muitos não se enxergavam ideologicamente como comunistas, ao contrário de mim, do Marighella”, resume Martinelli.
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Renan Truffi, CartaCapital