A escola pública sem provas, turmas e matérias
Para entender como funciona a escola pública sem provas, turmas e disciplinas é preciso deixar de lado a visão tradicional de educação
Para conhecer a Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Amorim Lima, na zona oeste de São Paulo, é preciso deixar de lado a visão tradicional de escola. Aqui não há provas, os alunos aprendem matemática debaixo de uma árvore e as salas não têm carteiras organizadas em fileiras. Nessa escola, cada um aprende no seu ritmo, compartilha as experiências com o grupo e pede ajuda para o professor-tutor.
E quem explica tudo isso é a Maria Vitória de Oliveira, 8, e a Thabbata Neves, 9, que nos recebem no pátio para apresentar a escola. “Aqui eles fazem um projeto diferente de todas as outras escolas, então eu gosto daqui por isso. Eu aprendo bastante coisa“, diz Maria Vitória.
A escola funciona há dez anos como um projeto experimental na rede municipal de São Paulo e foi inspirada na Escola da Ponte, do educador português José Pacheco. Entre os principais objetivos desse modelo pedagógico estão o desenvolvimento da autonomia intelectual dos alunos e a troca de saberes.
De portas abertas
Há um clima de liberdade e informalidade, com uma aparente desordem, em toda a escola. Crianças circulam a todo momento pelo prédio e a sala da direção está sempre aberta para o aluno que precisar pedir qualquer tipo de ajuda (do estojo perdido à cartolina para a atividade em sala).
“A escola que eu estudava antes era outra coisa, lá era todo mundo em fileira, aqui é em grupo, todo mundo pergunta, todo mundo responde“, diz Thabbata. “Não tem prova, a única prova é o roteiro, aqui a gente é praticamente livre, não fica muito tempo dentro da sala, só na aula de pesquisa.”
A chamada aula de pesquisa é o momento em que os alunos estudam os conteúdos e fazem exercícios. Eles também têm aulas de brincadeira, de capoeira, teatro, dança, grego e latim. Há oficinas de inglês, texto e matemática. Pode até não ter prova, mas os alunos são avaliados nas atividades em grupo, no processo de execução do roteiro e nas atividades finais.
Um roteiro, vários caminhos
No início do ano, cada aluno recebe um kit com os livros didáticos da sua série e os roteiros que precisa seguir. Esses roteiros são preparados e encadernados pela própria escola, são eles que vão direcionar o estudo e a execução de exercícios. Organizados por temas – em vez de disciplinas — eles são interdisciplinares e costumam exigir que o aluno pesquise em livros de diversas matérias.
Por exemplo, se o tema é Segunda Guerra Mundial, os alunos terão conteúdos não só de história, mas também de geografia, física e matemática.
Todos eles precisam ser cumpridos, mas a velocidade e o caminho que cada aluno fará pelo material estudado pode ser bem diferente. O ritmo e o processo de cada um é respeitado.
Ao final de cada roteiro, os alunos precisam completar um quadro de resumo e fazer exercícios sobre conteúdo estudado, formando um arquivo de trabalhos que é chamado de portfólio. Quem erra ou esquece algo precisa voltar e rever o conteúdo.
Os “salões”
As salas de aula são diferentes dependendo da etapa de ensino. As turmas mais “tradicionais” são o 1º e o 2º ano do ensino fundamental. Nessa fase, os professores apresentam os primeiros roteiros para os alunos. É um período de introdução do modelo pedagógico e de adaptação para as próximas séries.
Quando a criança completa o ciclo de alfabetização, ela entra em uma nova classe, que reúne alunos do 3º, 4º e 5º anos do ensino fundamental. É o “salão” do ciclo 1. Há outra com estudantes do 6º ao 9º, ou ciclo 2 do ensino fundamental.
Cada uma dessas salas é grande e os alunos são dispostos em grupos de até quatro pessoas (muitas vezes de idades e séries diferentes). Cada um tem seu próprio roteiro de estudos, mas o objetivo é que eles consigam se ajudar e resolver problemas e tirar dúvidas entre si. Um professor fica à disposição dos alunos para tirar dúvidas.
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Na teoria, parece fácil, mas há quem não se adapte ao projeto. “Tem pais que não querem de jeito nenhum que a criança venha pra cá, porque não gostaram, não compreendem“, diz a diretora Ana Elisa Siqueira.
Marcelle Souza, UOL