Sem lamber nem cuspir
Vivemos materializando a trilogia que faz o tempo: passado, presente e futuro. Nascemos, crescemos, amadurecemos, envelhecemos e morremos. Infelizmente, muitos morrem no nascedouro ou vivem pouquíssimo, sendo impossibilitados de cumprir todas as etapas de uma longevidade normal. Os sobreviventes deste mundo têm que lidar da melhor forma possível com o fato de que um dia tudo acaba, exceto os frutos das sementes plantadas. No plantio, na semeadura e na colheita todos nós estamos envoltos em coisas boas e más, em tristezas e alegrias, em prazeres e dores. Naturalmente, durante todo o transcorrer da nossa jornada, tendemos a guardar com carinho, no relicário das nossas lembranças, tudo o que de bom vivemos e tivemos, ao passo que procuramos esquecer as mágoas, os sofrimentos, as experiências desagradáveis que pautaram nosso destino.
A incapacidade que temos revelado para fazer da evolução um bem compartilhável a todos exige, neste começo de século, que comecemos a inventar um novo padrão comportamental, ou seja, que iniciemos um processo educativo que venha inaugurar uma inédita maneira de pensar e agir. Assim é que, cansados de engatinhar rumo a um mundo mais harmonioso, não vislumbramos outra saída que não a de aproveitarmos o clima de saturação em que estamos, prestes a sermos aquela famosa gota d’água que transborda, e adotarmos o equilíbrio como nossa tábua de salvação.
Equilibrados não teremos rancor nem ódio, nem tampouco falso amor. Somente a moderação nos levará a uma compreensão estruturalista-holística dos processos social e político, que nos conduzirá entre a perfeita combinação entre passado, presente e futuro. O ser humano de consciência monolítica em relação a (a)temporalidade deve ser a meta de todos os que aspiram uma sociedade realmente justa.
O que somos hoje é tanto resultado do que fomos ontem como também semente do que nos tornaremos amanhã. O passado é o alimento do presente e para que construamos um Novo Mundo, sem traumas, é preciso que nem cuspamos nem lambamos o prato onde comemos. Não devemos ser exageradamente nem saudosistas nem modernistas. Normalmente, o saudosista lambe o prato, supervalorizando o que já dorme nos longínquos tempos pretéritos e ignorando a realidade premente, enquanto que o modernista cospe na sua própria história pessoal, enxergando, quase que tão somente, o que ainda não viu. Necessitamos, isto sim, ser agentes da contemporaneidade e senhores da nossa própria nutrição mental e espiritual.
*Luis Soares é escritor, colunista e editor de Pragmatismo Político