Muitos ainda não se deram conta do que realmente está em jogo nas eleições deste ano.
Desenvolver empresas estatais, dar força econômica à pequena burguesia industrial e dos serviços, expandir a pequena burguesia agrícola, ampliar a força social dos trabalhadores assalariados das cidades e dos campos e estimular sua participação social e política, num contexto em que parte do governo rema contra esses esforços, e em que, em sua maioria, o aparato do Estado é contrário, não é uma missão fácil.
É verdade que, em alguns terrenos, o governo Lula poderia ser mais audacioso do que vem sendo. Ele poderia criar mecanismos governamentais mais eficazes para apoiar e estimular as micro e pequenas empresas industriais e de serviços. E poderia ser mais criativo no assentamento dos lavradores sem terra nos 90 milhões de hectares dos latifúndios improdutivos.
No entanto, isso não depende apenas dele. Depende, em grande medida, do PT, demais partidos socialistas, sindicatos e movimentos sociais democráticos e populares se voltarem com mais ênfase a organizar os trabalhadores e camadas populares em torno de seus interesses imediatos e de longo prazo. E depende de que essa organização da base social se movimente para pressionar a burguesia a dividir o espaço na sociedade, no governo e no Estado.
É essa pressão que pode fazer com que a harmonização de contrários, praticada pelo governo, funcione como política de acumulação de forças para contrabalançar-se à hegemonia das classes dominantes. Isto vai ser especialmente importante quando os contrários entrarem em rota de colisão na disputa entre seus interesses não-comuns. Será nesse momento que as teses de que o governo Lula tem hegemonia sobre as forças populares ou está sob o comando da grande burguesia sofrerão seu teste decisivo.
Até o momento, o governo Lula parece ter uma maioria política capaz de vencer as eleições de 2010 e manter o projeto de desenvolvimento e integração soberana na globalização capitalista. No entanto, a pauta do programa de críticas ao governo Lula, aparentemente pela esquerda, mostra que a disputa pode ser mais complexa do que parece.
O social-liberalismo tucano, que se esconde sob o manto de uma social-democracia envergonhada, sustenta que seu candidato, caso eleito, não vai retornar à privataria descarada nem à financeirização desbragada que marcou o governo FHC. Segundo porta-vozes não autorizados, Serra deve manter o mesmo projeto de Lula, apenas com modulação diferente. O elogio retardado de Serra a Lula e a tentativa de separar o governo Lula da candidata Dilma mostram que a oposição vai se pautar pela tentativa de não discutir a natureza dos programas de ambos.
Além disso, há um grande esforço intelectual, de mídia e de propaganda explícita para demonstrar que Dilma e Serra são muito parecidos, tendo a mesma visão de mundo. Há quem diga que, se houvesse uma reorganização política, ambos estariam no mesmo partido. Eles seriam a expressão de pessoas que não existiriam mais na política brasileira, gente compromissada com o Brasil e que poderia ser enquadrada no conceito inglês de servidor público.
O que não impede Serra de manobrar para destruir a candidata do PT pelas bordas, estimulando a candidatura Marina Silva, que num primeiro momento arrastou intelectuais católicos e progressistas – e possivelmente boa parte da esquerda que critica o governo Lula. Nem de que o saco de maldades de denúncias envolvendo figuras do PT já esteja com munição suficiente para alimentar a mídia marrom.
Paradoxalmente, a parte da esquerda que está servindo de massa divisionista de manobra para Serra não sabe se ainda é possível um projeto nacional popular no Brasil. Acredita que esse projeto teria sido derrotado, supostamente após ter sido descaracterizado pelo PT e pelo governo Lula, no poder. Nessas condições, embora afirme que a Consulta Popular é o único ator político que retoma o debate sobre um projeto de tal tipo, prefere apostar na promessa tucana, ou em seu derivativo Marina.
O que mostra o quanto há de gente que, mesmo diante da banda passando, não consegue enxergar os passistas, nem ouvir a música. E não sabe o que realmente está em jogo em 2010.
Wladimir Pomar, Correio da Cidadania
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