Documentos reservados liberados na Inglaterra revelam que a liderança de Lula em 1979 já tinha amplo registro
O ano de 1979 foi fundamental na vida política do metalúrgico Lula. Ele era, então, o Luiz Inácio da Silva, o Lula, um surpreendente líder sindical que emergia em São Bernardo do Campo e Diadema, em São Paulo, berço do novo sindicalismo brasileiro. Essa distinção entre novo e velho significava, essencialmente, um movimento operário distanciado dos sindicalistas oficiais, chamados de pelegos, e dos grupos de esquerda, denominados vanguarda do proletariado.
O que aquela figura que atormentava o patronato local significava no imaginário dos analistas de muito além das nossas fronteiras, mas, sempre atentos ao ir e vir dos movimentos sociais no então chamado “Terceiro Mundo”?
Documentos dos arquivos ingleses, liberados das pastas de papéis classificados como “reservados”, ajudam na resposta. Mario Cereghino, credenciado pesquisador ítalo-argentino sempre atento às questões brasileiras, estava a trabalho na Inglaterra, em dezembro de 2009, quando começou a ser desclassificada parte da correspondência da diplomacia britânica no Brasil com o Foreign and Commonwealth Office, em Londres. Cereghino enviou a sete colunistas alguns telegramas estocados nos The National Archives. Eles mostram a atenção que os diplomatas britânicos no Brasil davam à atuação de Lula, sem os olhos embaçados pelas névoas do preconceito.
“O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, ‘Lula’, tornou-se uma figura admirada. Ele vestiu a roupa de Robin Hood e parece ter ultrapassado tudo quanto foi possível (…) não resta nenhuma dúvida de que a popularidade dele é crescente”, diz trecho do documento remetido do consulado paulista para a embaixada britânica em Brasilia, em 23 de março de 1979.
Lula inicia um processo de mobilização política no país, que, ao desafiar a ditadura militar, transbordava para o movimento mais abrangente da luta pelas liberdades políticas e pela anistia. Era o início do governo do general João Baptista Figueiredo, o último presidente do ciclo militar.
“Lula tornou-se o líder do novo movimento sindical brasileiro. Manteve um comportamento responsável durante a greve deste mês e soube controlar a situação. Não há dúvida de que Lula está escrevendo um novo capítulo na história do sindicalismo brasileiro (…)”, reafirma, posteriormente, o mesmo consulado.
Em abril daquele ano a embaixada britânica chancelou as informações partidas de São Paulo e já especulava sobre a possível migração do líder sindical para a política partidária.
“Não é difícil ver Lula como a personificação de uma nova via para o sindicalismo brasileiro. (…) Já comentei sobre a falta de um novo líder, jovem, de credibilidade e popular (…) capaz de entrar em sintonia com a realidade do novo Brasil e com a aspiração de um novo povo. Essa figura pode ser Lula e não se podem excluir as hipóteses de ele ser tentado a assumir esse papel. Mas ainda é cedo para dizer em que medida ele se vê como um animal político ou se está verdadeiramente intencionado a deixar a arena sindical, um terreno onde obteve um sucesso esmagador…” comentou o diplomata que media os movimentos de Lula.
Acertou em cheio. Mas, para isso, o funcionário inglês teve que evitar as armadilhas de interlocutores influentes, como o empresário Luis Eulálio de Bueno Vidigal Filho, integrante do Grupo 14, núcleo poderoso da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Em novembro de 1979, os ingleses anotaram a previsão feita por ele:
“Segundo o senhor Vidigal, Lula cometeu um grande erro entrando na política (…) Não tem a mínima chance de sucesso e terminará devorado pelos velhos tubarões da política…”
Devorado pelo mercado, o empresário faliu em 1993. Em 2002, o metalúrgico engoliu os adversários e virou presidente da República.
CartaCapital
Acompanhe Pragmatismo Político no Twitter e no Facebook.