Economia

O novo debate econômico e político

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Os críticos do governo Lula e uma série considerável de analistas econômicos ainda não detectaram a profundidade dos efeitos do PAC na sociedade brasileira

Wladimir Pomar

Embora os críticos do governo Lula tratem o PAC com desprezo, eles são obrigados a reconhecer que esse programa mudou os rumos da política econômica, como tivemos ocasião de constatar em comentários anteriores.

Mas eles, assim como uma série considerável de analistas e consultores econômicos, ainda não detectaram a profundidade dos efeitos do PAC na sociedade brasileira, em especial porque tal programa é acompanhado por uma política constante de redistribuição de renda. Por isso, quando a crise se apresentou no centro do capitalismo mundial, não foram poucos os que acreditaram que o Brasil entraria em bancarrota, e tentaram desqualificar por todas as formas as afirmações de que a crise atingiria o Brasil como uma marola, não como um tsunami.

Enganaram-se completamente. Primeiro porque, antes da crise, divulgavam que eventos como esse não mais faziam parte da história do capitalismo. Depois, porque o Brasil não só emergiu da crise como um dos países do mundo que já não pega gripe quando o colosso do norte espirra, como voltou a crescer de modo ainda mais consistente, enquanto os Estados Unidos e potências européias permanecem patinando em recessão.

Esses acontecimentos da vida real estão contribuindo para mudar a qualidade do debate econômico e social em nosso país. Embora o neoliberalismo continue com força, já que tem por base os interesses das corporações transnacionais e das grandes potências capitalistas, ele está sendo coagido a ceder lugar a uma nova política imperial, ainda em gestação, que leve em conta a emergência de fortes países em desenvolvimento. E embora a ideologia do capitalismo continue hegemônica, por sua nova expansão mundial, a crise em seu centro recolocou em pauta a questão do socialismo.

Isto tudo significa que o PT e o governo Lula, tendo por base a combinação de crescimento econômico com redistribuição de renda e ataque aos problemas sociais, se verão cada vez mais envolvidos num duplo debate. Por um lado, com ex-neoliberais, liberais ortodoxos e social-liberais, que acham “improdutivos” os programas sociais e se opõem a eles através dos ataques ao “aumento dos gastos públicos” e reclamam da falta de reformas estruturais liberalizantes.

Eles tendem a se unificar numa cruzada para que o PT e o governo se contentem apenas com o crescimento econômico e privilegiem os setores privados já estabelecidos no Brasil. Temem a entrada dos concorrentes asiáticos, em particular chineses, mas querem evitar, sobretudo, que os programas sociais levem o governo e o PT a pretenderem reformas estruturais, econômicas, sociais e políticas que democratizem a propriedade e a participação política, e mexam com os privilégios patrimonialistas.

Por outro lado, o PT e o governo continuarão às voltas com os pós-industrialistas e com a ultra-esquerda, que querem forçar o governo a abandonar o crescimento econômico com base na industrialização e concentrar-se exclusivamente no desenvolvimento social e ambiental, como se isto fosse viável sem os recursos e as técnicas que só o desenvolvimento industrial é capaz de fornecer.

Estes debates devem constituir o eixo sobre o qual se desenvolverá a campanha eleitoral de 2010. O que exigirá do PT e de sua candidata um programa que aprofunde ainda mais a combinação de crescimento econômico com redistribuição de renda, democratização da propriedade urbana e rural, solução dos problemas de saneamento, moradia, saúde e educação, participação democrática nos órgãos de governo e do Estado, soberania nacional, diversificação das parcerias internacionais e solidariedade com os países mais pobres.

Em outras palavras, um terceiro mandado do PT terá que alargar os objetivos do PAC, no sentido de fortalecer a infra-estrutura econômica e social, adensar as cadeias produtivas, democratizar o capital – neste caso expandindo a classe dos micro e pequenos capitalistas urbanos e rurais – e desenvolver uma forte classe trabalhadora assalariada nas cidades e nos campos. E, associado a tudo isso, terá que pensar seriamente numa estratégia e nas táticas de reforma do Estado, sem o que a participação democrática não passará de um sonho de verão.

As forças acumuladas, em especial durante o segundo mandato do governo Lula, ainda não permitem supor a possibilidade de realizar reformas radicais. Permitem, no entanto, supor que a nova classe de trabalhadores assalariados, que está se recompondo com o crescimento econômico, assim como as demais camadas populares beneficiadas pelos programas sociais do governo, aumentará suas demandas por mais renda, mais espaços para educação, saúde e moradia e mais participação democrática.

Por outro lado, a burguesia brasileira também se fortaleceu consideravelmente. Ela tem capitais e técnicas suficientes para ocupar produtivamente os milhões de hectares restantes do latifúndio improdutivo. Isto pode liquidar, em definitivo, qualquer possibilidade de transformação dos sem-terra em pequenos produtores agrícolas independentes e qualquer possibilidade futura de desenvolvimento da agricultura familiar.

Ela também tem capitais e técnicas para subordinar totalmente os micro e pequenos capitalistas aos interesses das grandes corporações e para tentar evitar, a qualquer custo, o fortalecimento do setor estatal da economia brasileira.

Nessas condições, o fortalecimento das empresas estatais, a sobrevivência e desenvolvimento dos micro e pequenos produtores industriais e agrícolas e a expansão da classe dos trabalhadores assalariados deixou de ser um problema exclusivamente econômico, para se tornar também um problema social e político de primeira ordem. O que vai se refletir, inevitavelmente, nas crises de crescimento da política governamental de harmonização de contrários.

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