Política externa e opinião pública
Dentre os muitos descompassos que existem entre os sentimentos da maioria da população e o que dizem a oposição e a grande imprensa, um dos maiores acontece na avaliação da política externa do atual governo. Onde alguns só veem equívocos, ela enxerga, quase sempre, sucessos.
Quem, nas últimas semanas, leu os principais jornais deve ter ficado com a impressão de que a nossa política de relações exteriores será um problema para Dilma Rousseff. Como ela conseguirá defendê-la, se pouco ou nada se salva no que o governo faz?
Irresponsável, inconsequente, atrapalhada, é assim que pintam sua condução. Para quem tem a missão de propor a continuidade, seria um fardo e tanto para carregar.
Há tempos que a política externa é um dos alvos preferidos da oposição. Já na eleição de 2006, os estrategistas da campanha de Geraldo Alckmin viram uma oportunidade para enfraquecer a vantagem de Lula nas pesquisas no episódio da nacionalização das reservas bolivianas de petróleo e gás natural, feita pelo recém-empossado governo de Evo Morales. Não funcionou, e gorou a tentativa de transformar o assunto em tema eleitoral.
Ao longo do segundo mandato, foi subindo o tom das críticas, seja contra a política latino-americana do Itamaraty, seja em relação a outras questões, de comerciais e tarifárias a disputas por posição em organismos multilaterais. A compreensão e, às vezes, a simpatia do governo para com os bolivarianos do continente chegou a provocar, pelo que se ouviu no período, tremores de raiva em muita gente.
Em um importante jornal carioca, lemos, faz pouco tempo, uma pergunta que exemplifica esses sentimentos. Escrevendo sobre o que terá mais peso na decisão dos eleitores em outubro, o colunista se indagava se seria a satisfação das pessoas com o presidente e a constatação de que sua vida melhorou, ou “a percepção de parte do eleitorado de que uma política externa radicalizada à esquerda tem reflexos inevitáveis na maneira de conduzir a política interna”.
Essa “radicalização à esquerda” terá se acentuado depois das gestões brasileiras para resolver a crise nuclear iraniana. Nelas, não só a preferência do governo Lula pelos “radicais” se manifestaria, mas ficariam evidentes os traços que a oposição identifica como mais característicos de nossa política externa, nos quais se inclui a falta de compreensão do papel internacional do Brasil e de sua diplomacia.
Ao ouvir os especialistas convidados pelas grandes redes de televisão (a maioria ex-ministros de Fernando Henrique Cardoso), os espectadores poderiam se perguntar como um governo tão canhestro é tão respeitado pelo resto do mundo. Enquanto o coro dessas críticas só aumenta aqui dentro, o de elogios sobe a cada dia lá fora. Vindos de gregos e troianos.
Em vez de perceber qualquer problema na “esquerdização” da política externa, a opinião pública vê a atuação do governo e, especialmente, de Lula nas relações internacionais como um de seus maiores trunfos. Nenhum presidente recebeu, antes dele, tanto destaque nesse campo.
Nas pesquisas qualitativas feitas atualmente, o que se encontra é uma sensação de orgulho do cidadão comum pelo que avalia ser um crescente reconhecimento internacional do Brasil, seu governo e sua economia. Predomina a visão de Lula como um presidente que busca e consegue acordos com outros países, favoráveis aos interesses nacionais. Simplesmente não se ouvem ecos do que a grande imprensa publica. Conciliação, bom senso, entendimento, afirmação nacional, é com palavras como essas que as pessoas caracterizam a política externa.
Ela é (mais um) exemplo da surpresa positiva que a população teve com Lula e com o PT no governo. Muita gente temia pelo desempenho internacional de uma liderança como Lula, que poderia não estar à altura do que o País necessitava. Velhos preconceitos cercavam de expectativas cautelosas o que ele seria. Pelo que as pessoas sentem hoje, no entanto, nenhuma se confirmou.
Assim, Dilma Rousseff não terá dificuldades com esse tema na campanha. Ele nunca foi central nas nossas disputas presidenciais, mas vai subir de importância agora e nos próximos anos. Se desejar, Dilma pode promovê-lo desde já, e tem tudo a ganhar com isso.
Marcos Coimbra