Bernardo Joffily
Há uma longa história por trás das vacilações do presidenciável oposicionista José Serra (PSDB), entre a linha “Paz e Amor” e o ataque ao governo mais popular da história. Desde que Luiz Inácio Lula da Silva chegou à presidência, em 2003, o bloco demotucano tenta acertar o tom do seu discurso, mas tem tido dificuldades para aprender a ser oposição. Aqui vai um apanhado sintético das tentativas.
2003: “Ele não vai conseguir governar”
A posse do presidente torneiro-merânico foi acompanhada pelo PSDB, o PFL (hoje DEM) e os barões da mídia com uma expectativa meio perplexa, meio condescendente e meio esperançosa. Havia a esperança de que as novas forças que chegavam ao Planalto iriam tropeçar nas próprias pernas.
As duas primeiras capas da Veja em 2003 espelham o tom dessa fase: depois de Lula de mel, veio Trapalhadas na decolagem. Havia ainda quem previsse graves problemas do governo no Legislativo. Afinal, as duas legendas agora oposicionistas somavam 155 deputados, mais que os 151 da base inicial de Lula (PT, PCdoB, PSB, PL e PCB), e tinham relações longamente cultivadas com as siglas de centro.
Essa esperança começou a se frustrar já em fevereiro, quando o governo recém-empossado viu a Câmara e o Senado elegerem para presidentes dois aliados, João Paulo Cunha (PT-SP) e José Sarney (PMDB-AP). Ali os aprendizes de oposicionistas constataram que tinham pela frente não um incidente fortuito, mas um novo ciclo político. Foi quando o ex-presidente Fernando Henrique queixou-se de um “perigoso rolo compressor que avança na oposição”.
2004-2005: A escalada dos escândalos
Logo o bloco demo-tucano-midiático enveredou por outro caminho, que lhe pareceu promissor: as denúncias de escândalos de corrupção. A longa série começou com o Escândalo Waldomiro Diniz (março de 2004) e foi num crescendo até o Escândalo do ‘Mensalão’ (junho-agosto de 2005).
A oposição a Lula retomava assim uma tradição muito cara aos seus antecessores da UDN pré-golpe de 1964. Os udenistas também tinham feito oposição pela direita aos governos de Getúlio, Juscelino e João Goulart. E tinham como carro-chefe justamente as denúncias de corrupção.
2005: “Queremos sangrar o Lula”
O escândalo que entrou para a história como ‘Mensalão’ (batizado numa célebre entrevista de 6 de junho pelo deputado cassado Roberto Jefferson, hoje um apoiador de Serra) abriu uma crise política grave. O auge da crise foi em 11 de agosto, quando o publicitário Duda Mendonça, que fizera a campanha de Lula, compareceu à CPI dos Correios e deu a entender que fora pago via caixa 2.
Naquele momento a oposição chegou a cogitar um impeachment para tirar Lula da Presidência. Mas contou os seus votos no Congresso, comparou os manifestantes do ‘Fora Lula!’ com os do ‘Fica Lula!’, e mudou de ideia.
“Não há clima político para o impedimento e o pedido, se houver, tem de vir da sociedade”, constatou o senador Artur Virgílio (PSDB-AM), ao sair de uma reunião que analisou a alternativa. “Nós não queremos fazer o impeachment do presidente. Para nós, basta o impeachment moral do Lula, para ele chegar às eleições sem condições de concorrer”, disse Fernando Henrique ao então ministro Aldo Rebelo. Naqueles dias, fazer Lula desistir da reeleição era quase uma ideia fixa.
O então senador Jorge Bornhausen (DEM-SC), que se acreditava na iminência de livrar-se “dessa raça por 30 anos”, foi mais o agressivo: “Não queremos o impeachment, queremos sangrar o Lula para enfraquecê-lo até as eleições de 2006”.
2006: “O PT já teve a sua chance”
Veio a eleição de 2006 e Lula não desistiu. Seu concorrente tucano, o ex-governadorGeraldo Alckmin, experimentou entrão outra linha de discurso da oposição. “O PT já teve a sua chance e deixou passar. O Brasil está com a receita errada”, disse ele, nas considerações finais do primeiro debate com Lula ao vivo pela TV – o momento que os políticos costumam guardar para suas frases de maior impacto.
Havia na fala de Alckmin dois elementos.
Primeiro, a ideia de que estava na hora das forças sociais e políticas representadas por Lula saírem do governo central, pois tinham “deixado passar” a “sua chance”. Como quem diz: voltem para a senzala.
Segundo: a “receita” está errada. Alckmin tentou em 2006 bater de frente com o governo Lula. Afinal, oposicionista é para se opor, não é? Entretanto, o célebre episódio contorsionista do candidato tucano com o boné da Petrobras indicou, ainda antes das urnas: aquela seria o discurso da derrota.
2008: O ‘tsunami’ contra a ‘marolinha’
Enquanto isso, as denúncias de escândalos de corrupção continuaram, depois do ‘Mensalão’ e até hoje. Mas iam perdendo força. A própria repetição as desgastava.
Por isso, a oposição brasileira recebeu como um presente dos ceuses a crise econômica mundial que atingiu sua fase aguda em setembro de 2008, a partir dos Estados Unidos. Afinal, não reza o ditado que “Quando os EUA espirram o Brasil fica com gripe”? Então, quando os EUA entram em colapso…
A oposição apostou tudo na crise e seus efeitos catastróficos no Brasil. Os seus colunistas na mídia não falavam de outra coisa. O DEM, já com nome novo, chegou a criar um ‘hot site’: quem entrava na página do ex-PFL na internet tinha que passar primeiro pelas notícias da crise.
Mas quem estava certo, afinal, era Lula, que previu “uma marolinha” e não um “tsunami”. A metáfora fez as delícias do bloco oposicionista-midiático, antes de se revelar uma descrição bastante aproximada do que aconteceu. E o presidente que já era recordista em popularidade voltou a ciscar mais uns pontos nas pesquisas de opinião.
2010: “Lula, o fenômeno irrepetível”
Chegamos assim ao penúltimo capítulo dos ensaios de discurso dos demotucanos em seu duiro aprendizado de oposicionistas. Ele se expressa nas afirmações de Serra sobre Lula como “fenômeno irrepetível”.
O melhor exemplo talvez tenha sido dado pelas declarações do presidenciável paulista para a Rádio Jornal, do Recife, no último dia 14: “Vamos fazer o seguinte? Lula está acima do bem e do mal, não comparo Lula com nada”.
A linha foi escolhida por motivos compreensíveis, por certo submetidos a baterias de pesquisas qualitativas e esmiuçados por exércitos de marqueteiros: se você faz oposição a um governo que teve 76% de ‘bom’ e ‘ótimo’ e 5% de ‘ruim’ e ‘péssimo’ na última pesquisa (Datafolha, dia 22), criticar o presidente é um mau negócio.
Porém mesmo sendo compreensível esse é o discurso de um harakiri eleitoral. Quem o advertiu recentemente foi o ex-presidente Itamar Franco, hoje no PPS: “Se o governador Serra não quer falar mal do Lula, fica quieto. Se começa a elogiar muito o presidente Lula, o pessoal começa a perguntar: por que vamos mudar?”
Logo começaram as reclamações e críticas, algumas até abertas, nas colunas da mídia serrista até o fim mas inconformada com o discurso de seu candidato. Este passou a ensaiar uma ou outra crítica ao governo, embora ainda sem citar Lula. Pode ser um preúncio de uma nova fase (a sétima!) do discurso oposicionista. A campanha o dirá.
Ao mesmo tempo, há outro discurso que nunca aparece na boca dos caciques demotucanos, nem muito menos de Serra, porém frequenta a sua mídia e corre solto na internet. O discurso do esgoto, dos golpes baixos, das mentiras e do puro fel. Mesmo apócrifo, ele retrata em cores vivas quanto ódio habita o coração dessa gente após sete anos e meio sem se conformar em ser oposição. E quanto eles estão apostando nesta eleição presidencial, para impedir, a qualquer custo, que o irrepetível se repita.
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