Despejo
O advogado chamou o camponês; sentou-o no banco da frente, do Jipe do sindicato. Dirigindo, pediu que contasse todo o episódio.
– Ele mandou eu me arretirar do sítio, no máximo inté amanhã. Eu não tenho nenhum tostão pra alugar um caminhão e botar meus trastes em cima!
– Quem é o dono do engenho?
– Dotô Moacir Sales.
– O delegado!?
– Sim. O delegado de polícia!…
A casa, um barraco de dois quartos de massapé e ripas, era um amontoado de terra acinzada. As telhas de barro vermelho distinguiam-se do chão, mas viraram cacos nos destroços revirados. A mulher sentara-se num banco de madeira, junto a duas camas com colchões de capim seco. O pano que cobria o capim, estropiado, deixava-se queimar sob o sol na mata seca. Os meninos, meios que sem entender o que acontecera, tinham cada um dedo na boca, à falta de um pirulito. Puseram-se ao lado, um atrás do outro, de uma das pernas da mãe. Ela secara o choro, convencida por certo de que mais convinha seguir a estrada, do que lamuriar pela ruindade do patrão.
O advogado, baixinho, óculos de grau cobrindo-lhe o rosto, bigodes escassos e a guimba do cigarro num canto da boca. Tirou do Jipe uma máquina fotográfica, documentou o cenário.
– Deixem os móveis aí. Peguem somente o que há de roupa. Vão ficar no sindicato, num quarto dos fundos. Vou entrar com uma ação na Justiça, pedindo indenização, mais juros e correção. E o direito de permanecer no local até o fim da ação, com a construção de outra casa ou a entrega de outra já pronta.
A petição ao juiz foi entregue na tarde do mesmo dia. O parecer do juiz veio no dia seguinte, em forma de liminar. A casa deveria ser reconstruída, ou outra casa deveria ser entregue à família despojada. No prazo de uma semana.
Nilson Gibson, advogado do delegado, conhecera Romeu, o outro, nos tempos da faculdade. Foi ao sindicato, numa ruazinha sem calçamento da pobre Limoeiro.
– Não fica bem, Romeu. Moacir Sales é autoridade do governo… E se sujeitar a uma ação do sindicato?! Não vai ser um bom exemplo! Vamos fazer um acordo. O camponês recebe 40% do que lhe é devido.
– O proprietário é quem deve dar exemplo! Ele paga tudo ao trabalhador. A ação é retirada da Justiça e a liminar do juiz fica sem efeito!
Os dois, advogados lisos, sabiam dos limites um do outro. Nilson Gibson não tinha remuneração regular, provendo-se de uma ação ou outra, quando havia. Romeu, dos magros proventos de um sindicato de trabalhadores canavieiros. Ao fim e ao cabo, afinavam-se na pobreza, inda que com discursos diferentes.
Ao juiz os dois informaram que a indenização seria paga ao camponês. Mas Romeu manteve a ação possessória, desconfiado das astúcias dos proprietários de terras.
O juiz disse que só homologaria o fim da ação no dia seguinte, com a condição de que as custas processuais fossem pagas pelo réu.
Na hora acertada, os causídicos se encontraram na frente da Junta do Trabalho.
– Romeu! – começou Nilson Gibson – Não tenho o dinheiro para pagar as custas do processo. Você pode me emprestar?
O camponês foi indenizado conforme os cálculos judiciais. Mas Romeu não recuperou o que emprestara.