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Disputa de família deixa Cecília Meireles sem editora

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Num casarão em péssimo estado de conservação no Cosme Velho, no Rio, caixas e pacotes guardam livros e manuscritos da poeta Cecilia Meireles (1901-1964), que viveu ali por 18 anos. Com referências de identificação como “Originais -Crônicas” e “Roteiro do 1º cruzeiro de férias às colônias de Cabo Verde etc – 1935”, o acervo certamente esconde, segundo os herdeiros, inéditos da autora de “Romanceiro da Inconfidência”.
Mas ninguém na família se arrisca hoje a garimpar o material para trazer a público as pepitas. O motivo é o mesmo pelo qual a obra da escritora está sem contrato com editoras: uma batalha jurídica entre os herdeiros, envolvendo incontáveis processos, que se tornou notória no mundo editorial e neste 2010 completou dez anos.

O fato de a obra estar “fora do mercado”, como se diz no jargão livreiro, significa que nenhum dos cerca de 50 títulos de Cecilia, em poesia e prosa, pode ser reeditado. O que afugenta as editoras e atravanca a assinatura de um novo contrato é a disputa pela titularidade da obra, que sofreu uma reviravolta após a morte, no fim de 2008, de Maria Mathilde, uma das três filhas de Cecilia com o artista plástico português Fernando Correia Dias.

Casos como esse fizeram o MinC incluir na proposta de reforma da lei de direito autoral um polêmico item para conceder uma licença de exploração de obras sem autorização de herdeiros. Os filhos de Maria Mathilde racharam e brigam nos tribunais para definir a quem cabe a parte que pertencia à mãe. A inventariante é a filha Fernanda Maria, que se uniu à tia Maria Fernanda (a única filha da escritora ainda viva), constituindo por ora a maioria necessária para decidir em caso de divergência.

Mas o filho Alexandre alega que a mãe, por meio de um documento assinado, transferiu os direitos dela para o sobrinho Ricardo (neto mais velho de Cecilia, filho de Maria Elvira, primogênita da poeta e também já morta). Ricardo, aliado de Alexandre, seria assim o verdadeiro detentor da maioria.

Exame Grafotécnico

Fernanda Maria, porém, questionou a autenticidade da assinatura da tia, e a Justiça solicitou um exame grafotécnico. A perícia reconheceu como autêntica a assinatura, mas o caso aguarda uma decisão judicial.  A última editora a ter contrato com os herdeiros para explorar a obra foi a Nova Fronteira (do grupo Ediouro). O acordo se encerrou no final do ano passado.

Numa amostra do potencial econômico da obra de Cecilia, o último título vendido antes do fim do contrato foi uma antologia poética, da qual o governo de São Paulo comprou 400 mil exemplares por cerca de R$ 5 milhões.

Os que hoje estão em minoria dizem que a venda, acertada com os por ora majoritários, não tem validade.  “Quando tudo se resolver, a editora terá problema”, diz Alexandre Teixeira.

Até lá, o mercado acompanha assustado o conflito. Editoras dizem, a maioria reservadamente, que o belicismo da disputa não os estimula a entrar no leilão.  “É assustador, procuro fugir dessas coisas”, diz o diretor da Leya, Pascoal Soto.

A diretora editorial da Nova Fronteira, Leila Name, afirma que tem “muito interesse” em renovar o contrato. “Mas, até onde eu sei, as negociações foram suspensas.” O advogado de Maria Fernanda, Edward Halbouti, diz que a negociação está aberta.

Leila Name compara o caso à disputa de dez anos entre herdeiros de Monteiro Lobato e uma editora encerrada em 2008. “Você pode excluir uma geração daquela leitura. A gente torce para que não, mas esses processos jurídicos são imprevisíveis.”

Folha de S.Paulo