Gilberto A. Bernardi: O desjejum cotidiano
A mesa está abarrotada de trabalho. São folhas brancas e recicladas, dicionário, um copo sujo de café e bilhetes de reuniões colados na tela do computador. E-mails para mandar e pautas a serem feitas, mas… Vejo que o trabalho de um jornalista é realmente sujo e vulgar.
A relação notícia/emprego é tão antiética que resta olhar para trás e ver que me faltou apoio para cursar Medicina. Esse mundo fantástico prometido pela mídia é manipulador, tanto quanto a faculdade que diz transformar seres mortais em formadores de opinião. Já tentou opinar fora da linha editorial? Eu já dei um de revolucionário sem causa. Resultado: fui bater na porta do concorrente – fiquei um ano e alguns meses na mesma situação de milhares de brasileiros que aumentam a lista de desempregados. Essa lista é publicada todos os meses por um colega de trabalho que nem sabe que existo, mas cumprimento-o todas as noites após ouvir o repertório de manipulação. Plim Plim.
“Ser jornalista é o máximo. Dá pra escrever e falar o que se pensa, ter acesso a lugares que os cidadãos normais não têm” – todos já pensaram isso na infância. Essa estória de que profissional da comunicação com habilitação em Jornalismo pode opinar sobre todos os assuntos só existe no conto de fadas do jornalismo independente – apenas entre nós, mas jornalismo independente é como acreditar que os políticos vão cumprir o que prometem.
“Nóis semo tudo jornalista instruído”
Para que serve um jornalista? Para informar a massa sobre o que nem ele acredita. O pior está por vir – noticiamos algo que está errado, sabemos que não está certo, mas temos a cara de pau de crer na veracidade dos fatos improcedentes. O povo, que por sua vez, é ingênuo, ri da nossa exposição e mesmo assim, nos tem como fonte segura e confiável. “Tu viu só o que a RBS noticiou hoje?”, afirmam.
“E no futuro estamos nós”, sentados em frente a um computador digitando palavras incomuns para compor uma notícia do cotidiano. Ficamos com os olhos esbugalhados, com dor nas costas, dentes pretos (efeitos do café), resmungões e ganhando uma miséria. Que graça tem? “Ah! mas o jornalismo é a atuação direta do social, nos faz ser mais humanos em ver a situação de pessoas que estão ou não numa condição complicada”, falamos, com autoridade “mauxima” quando formandos em jornalismo. É a desgraça dos dias que virão.
É uma profissão de equilíbrio emocional. Uma questão de redundância diária. Ser jornalista é saber lidar com a escolha do regime capitalista. Noticiar as greves das diversas categorias que se opõe ao salário baixo, dar o maior apoio à manifestação, mas se esquecer que também ganha pouco e não faz nada por isso. “Nóis semo tudo jornalista instruído e com o tal do diproma na mão.” Convida um colega para fazer linha de frente e discutir a questão do piso salarial. “Você tem razão, não ganhamos nada, só não te ajudo com isso por que tenho que trabalhar agora”, responde com proeza o formador de opinião.
Trabalho não é reconhecido
Jornalista nem sempre escreve bem. É um profissional que “necessita” saber sobre tudo, mas não sabe nada. Na faculdade enche a boca para dizer que é jornalista e quando se forma vai ganhar entre R$ 1 e 1,5 mil e desanima. Vê que é bom ganhar dinheiro, mas que com essa profissão nunca vai morar num bairro nobre; vai ter um Gol ou um Uno 1.0 porque faz média melhor. Vai querer criticar juízes, políticos, advogados, médicos, mas vai esbarrar na lei. Na lei que a empresa para qual trabalha criou. “Sempre publicar noticias que remetam ao público coisas boas das pessoas que tragam benefício para a empresa”, direciona o chefe. Aí, o jornalista se dá por conta que os quatro anos de estudo sobre a ciência da informação nada valeram. Na universidade discutem a respeito de linhas editoriais, mas não ensinam a respeito – é que quem faz o curso é o aluno (tinha esquecido de citar).
Ser jornalista é ser irônico com si próprio. É achar que goza dos erros alheios, porém o que erra sempre ganha mais que o jornalista. Ganhar é o que vale. Mundo melhor só existe na utopia dos comunistas de plantão (ser militante comunista é igual ou pior que um jornalista). Imagine um jornalista comunista? É acreditar piamente na epistemologia do sonho.
Entretanto, o jornalista deveria ser estudado por cientistas não cristãos: não existe “homem mais besta que um jornalista”. No curso, diz ter atitude própria, depois de formado adota a personalidade que a empresa ordena; acredita ser superior, no fim o público se diverte com o camarada em frente às câmeras de TV (idem outros meios de comunicação) e sai falando das palhaçadas feitas no ar; as notícias impressas que demoraram horas, talvez meses, para serem publicadas, no outro dia estão enrolando salame no boteco da esquina ou limpando a entranha de um terceiro; não tem o trabalho reconhecido; a informação, por mais importante que seja, é abstrata, portanto se torna nula e o jornalista só é lembrado naquele instante: é como o BBB, só se é famoso enquanto se aparece na tela; depois de eliminado, faz alguns trabalhos para revistas de prazer (isso se tiver um corpo possível de usar em Photoshop) e em seguida é esquecido.
Basta um pouco de português e agir por instinto
Acha que é a melhor profissão do mundo por esta ser conhecida como não tendo rotina, o que é mentira: todo jornalista está sempre com um bloquinho e uma caneta na mão escrevendo meia dúzia de palavras, para depois voltar a redação e escrever a besteira colhida; acredita que jornalista bom é jornalista com formação superior, mas os meios de comunicação estão lotados de pessoas com ensino médio e que possuem uma voz agradável. Detalhe: o jornalista formado vai receber ordens de um depravado que provavelmente tem muito mais noção de comunicação do que o recém-formado (agora, sim, se comprova que o poste mija no cachorro). Na faculdade dizem que a voz não é importante, na primeira aula de rádio informam que a voz de todos os teus colegas é boa, pena que o mercado de trabalho não pensa assim. O jornalista é o único sujeito no mundo que consegue se auto-manipular.
Outros pontos chamam a atenção dessa brilhante profissão. Quando se é assessor de comunicação, os funcionários confundem jornalismo com publicidade. E é isso aí mesmo, jornalista não passa de um fofoqueiro. Um leva-e-traz de informações mesquinhas que, em momento algum, é a estrela do espetáculo – apenas é usado para levar as pessoas ao sucesso. Para levar as pessoas a ganharem muito dinheiro em cima das informações que o jornalista “fofoqueia”.
Jornalista é o pior político do mundo. Numa aula, uma professora contou que discutiu com um médico. O profissional da saúde teria dito que médico é uma profissão descente, pois cura as pessoas (médico ganha muito bem e valoriza a própria profissão). A professora respondeu ao “dr.” que jornalista é médico da alma. Depois disso pude entender por que rezamos tanto para as almas que estão no tal purgatório – essas almas leram muita bobagem que nós escrevemos. Agora se comprova, literalmente, que o título do livro do jornalista Carlos Dorneles, Deus é inocente, a imprensa, não, está totalmente correto. Estamos na berlinda.
Se o jornalista fosse tão inteligente quanto aparenta ser, já estaria ganhando melhor. Seria uma classe unida que defenderia acima de qualquer motivo a ética na profissão. Se o jornalista fosse ousado, invadiria o Congresso e exigiria que a profissão fosse reconhecida. Se jornalista fosse realmente crítico, olharia melhor para seu próprio eu interior.
O jornalismo pode ser um curso técnico de seis meses, no máximo. Não vejo necessidade de se estudar quatro anos para tal profissão. Uma carreira que, em pleno século 21, ainda está em estudo no Congresso nacional para ser aprovada como uma ciência que necessita de ensino superior para poder praticar… É ridículo. Para ser jornalista basta saber um pouco de português, ter noções de lead e agir por instinto.
Gilberto A. Bernardi