Diz a sabedoria popular que filho feio não tem pai. Que ninguém assume a paternidade de algo de que as pessoas não gostam, seja lá por qual motivo for.
Da expressão se deduz o inverso, que todos querem ser pais dos filhos bonitos. Não há quem não pose de responsáveis por eles.
O Bolsa Família é um programa federal de que uma vasta maioria da população gosta. Na verdade, adora.
Ainda no ano passado, longe, portanto, do cenário de disputa eleitoral, o Vox Populi fez várias pesquisas sobre a sua imagem. Os resultados foram parecidos aos de outros institutos, em trabalhos feitos na mesma época.
Em novembro, 67% dos entrevistados no conjunto do País o avaliaram como “ótimo”ou “bom”, 25% disseram que era “regular”e apenas 8% consideram que era “ruim”ou “péssimo”.
Por isso, não foram surpreendentes as respostas sobre o que esperavam (desejavam) que o próximo presidente fizesse: 70% dos entrevistados gostariam que fosse mantido integralmente ou que “continuassem muitas coisas e mudassem algumas”na sua operação. Os que achavam que devia ser mudado em profundidade representavam 8% do total (provavelmente os mesmos que o reprovavam).
Como devem se comportar os candidatos em relação a um programa assim, com uma avaliação tão favorável? O que devem fazer e dizer, incluindo aqueles que discordam dele e que, no íntimo, gostariam de interrompê-lo ( ou de alterá-lo tão drasticamente que ninguém mais o reconheceria)?
O bê a bá dos marqueteiros tem uma recomendação clara em situações semelhantes: chegar perto do programa, mostrar-se seu defensor, garantir que seria mantido e “melhorado’ se vencesse. Mas o ideal seria reivindicar sua paternidade. Convencer as pessoas de que aquilo de que elas gostam é obra sua. Haveria garantia maior de continuidade que a palavra do pai verdadeiro?
O PSDB tem, com o Bolsa Família, uma relação cheia de tensões e ambiguidades. No fundo, seus principais intelectuais sempre tiveram dúvidas sobre iniciativas como esta. Certos ou errados, achavam que era um tipo de programa que precisava existir, em situações bem específicas de extrema pobreza e completa incapacidade, mas que, por isso mesmo, deveria ser limitado e altamente focalizado.
Não é acaso que a administração tucana que é hoje apresentada como matriz do Bolsa Família fosse municipal. Teria sido em 1994, em Campinas, quando José Roberto Magalhães Teixeira era prefeito, que o programa nasceu. Sem discutir se os que mais direito têm de pleitear o título de seus inspiradores são Cristovam Buarque (na época em que era governador petista do Distrito Federal) ou Antonio Palocci (quando prefeito de Ribeirão Preto), o interessante é que não foi um governador ou, muito menos, Fernando Henrique, seu inventor na historiografia do PSDB.
Na verdade, a questão não é de arqueologia. Se foi fulano ou beltrano quem, pela primeira vez, imaginou que algo assim era necessário. Para a opinião pública brasileira, o programa só tem um pai: Lula. Sem ele, seria local, menor, destinado a grupos muito especiais da população. Nunca teria se transformado no que é hoje.
Para Serra, o delicado, ao falar do Bolsa Família e avocar sua paternidade, é lidar com seus eleitores mais genuínos. Não é só o PSDB que tem dificuldades com o programa, mas os segmentos de opinião que mais perto estão dele. O eleitor tucano costuma ter ojeriza a ele, tendendo a vê-lo como o instrumento pelo qual seu desafeto (Lula) chegou onde está. São os que acreditam que os pobres só gostam do presidente por que foram comprados com uns tostõezinhos por mês.
Serra não pode ficar longe do programa, ainda que isso contrarie algumas de suas convicções e incomode seus seguidores fiéis. Mas há coisas contra as quais é impossível lutar. Por mais que tente, o Bolsa Família continuará umbilicalmente ligado a Lula.
Marcos Coimbra