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Alberto Dines: Jornalismo é uma profissão; apresentar anúncios, outra

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Primazia indiscutível, oportuna, simbólica: a Folha de S.Paulofoi o primeiro jornalão a questionar abertamente a contratação dacelebrada atriz/garota-propaganda Marília Gabriela para apresentar onovo formato do programa jornalístico Roda Viva, na TV Cultura.Na nobilíssima Página Dois de segunda-feira (30/8), o colunistaFernando de Barros e Silva condenou a perigosa superposição detelejornalismo com jingles através da contratação de uma apresentadorade anúncios televisivos no comando de um histórico programa de debatese entrevistas.
Convém reparar, porém, que a Folhacometeu o mesmo pecado duas vezes e tem ajudado com o seu indiscutívelpoder de fogo a apagar os contornos de uma profissão que ela – e suasparceiras na mídia – deveriam ser as primeiras a consagrar e proteger.
A recente reforma gráfica e editorial da Folha foi promovidana TV em comerciais divinamente interpretados pela atriz FernandaTorres. E, em seguida, a atriz foi contratada para escrever sobrepolítica na Folha. Como atriz e apresentadora de comerciais éperfeita – ostenta no DNA a grandeza de Fernando Torres e a humanidadede Fernanda Montenegro. Como colunista (na Vejinha Rio) foi umaagradabilíssima surpresa. 
Se estamos falando de princípios rigorosos,sua contratação como articulista na editoria “Poder” da Folhaseguiu um raciocínio dúbio. Tudo bem: é possível admitir que ocolaborador de um jornal possa aparecer em mensagens institucionais doveículo onde trabalha. Neste caso, não pode ser remunerado.

Falta cancha
Há alguns anos, quando o jornalista e produtor cultural Nelson Motta, então colunista da mesma Página Dois da Folha,protagonizou uma série de comerciais de TV para uma grande organizaçãobancária, foi explicado que não havia conflito de interesses porque ojornalista não se ocupava de economia e finanças, sempre focado emmúsica popular, sua incontestada especialidade.
Seguindo essa tortuosa argumentação, se Marília Gabriela no Roda Vivaabdicar de discutir telefonia, automóveis e softwares (produtos querecentemente vendeu como garota-propaganda), estaria liberada paraprosseguir sem qualquer objeção sua carreira de telejornalista.
Nas entrevistas publicadas no domingo (29/8) no Estadão e na Folha,Marília Gabriela tentou enveredar pela mesma linha; faltou-lhe cancha,não é do ramo: deveria ter permanecido de bico calado ou convidado adupla de colaboradores, os veteranos jornalistas Augusto Nunes e PauloMoreira Leite, para falar em seu nome.


Crise de indentidade


Com muita propriedade, Fernando de Barros e Silva propôs a discussãode princípios. Princípios jornalísticos, por suposto. Novamente:”Bem-vindo ao Observatório da Imprensa“. E anote: a profissãode jornalista não existe, foi sumariamente extinta, declarada nula pelalamentável ligeireza do sumo-magistrado Gilmar Mendes.

No relatório sobre o fim da obrigatoriedade do diploma para oexercício do jornalismo, Gilmar Mendes escreveu que a profissão dejornalista é semelhante à de cozinheiro, e qualquer um pode cozinharbem.

A Folha, seus parceiros e as corporações de mídia, vibraramcom a apocalíptica ignorância em matéria de história do entãopresidente do Supremo Tribunal Federal.
Se a profissão não existe, para que perder tempo com seus princípios deontológicos e éticos?
Às favas com escrúpulos, viva a confusão entre jornalismo e publicidade!

Viva o jornalismo sem jornalistas – porque é disto que se trata.Esta é a fantasia de uma indústria que já foi instituição e hoje viveprofundas crises de identidade toda vez que Steve Jobs inventa novo gadget.

Marília Gabriela veio para ficar – é a musa da miscelânea midiática, mídia medley. Liguem o celular.

Albeto Dines