Levantamento do Congresso em Foco sobre as certidões criminais dos presidenciáveis mostra que o tucano José Serra é quem mais responde a processos. De acordo com as certidões que ele mesmo apresentou, são 17 processos declarados à Justiça Eleitoral. Ao todo, foram analisadas as 222 certidões entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelos nove postulantes à Presidência da República e respectivos vices. Michel Temer (PMDB), vice da candidata petista Dilma Rousseff, também aparece com três procedimentos criminais, além do candidato José Maria Eymael (PSDC), com duas certidões positivas. Os demais candidatos à Presidência apresentaram certidões negativas, ou seja, que informam não haver processos contra eles.
Uma norma da legislação eleitoral obriga todos os candidatos a cargos eletivos a apresentarem, no ato do registro das suas candidaturas, certidões que informem a sua situação criminal, se respondem a processos e qual a situação de cada um deles. Sonegar essas informações, conforme a legislação, implica crime eleitoral. A novidade neste ano é que as declarações criminais tornaram-se públicas, na página do TSE. O Congresso em Foco obteve antes da publicação no portal do TSE as informações sobre os registros de candidatura de todos os candidatos a cargos eletivos nas eleições de outubro. Foi possível, então, com mais tempo, analisar toda a documentação entregue pelos presidenciáveis.
Improbidade administrativa
Conforme a verificação na disputa presidencial, o caso mais grave refere-se ao candidato Serra, que além das 17 certidões positivas, soma três processos ativos, ambos por improbidade administrativa. Os casos correm na Justiça Federal do Distrito Federal e referem-se ao Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional (Proer).
O Proer foi um programa implementado no início do governo Fernando Henrique Cardoso de ajuda a bancos e instituições financeiras que enfrentaram dificuldades na virada do período de hiperinflação para o início do Plano Real. Na época, Serra era o ministro do Planejamento. As ações envolvem diversas pessoas que tiveram algum grau de responsabilidade nas decisões do Proer. Os nomes mais conhecidos são Serra e o então ministro da Fazenda, Pedro Malan. Elas questionam a assistência concedida pelo Banco Central, no valor de R$ 2,975 bilhões, ao Banco Econômico S.A., em dezembro de 1994, assim como outras ações do Conselho Monetário Nacional (CMN).
Conforme verificado, já houve um decisão monocrática, ou seja, de um único juiz em favor da denúncia. A juíza Daniele Maranhão Costa, da 5ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, considerou que houve dano ao erário, enriquecimento ilícito e violação aos princípios administrativos no caso.
Além dessas três ações, as certidões apresentadas pelo candidato do PSDB mencionam ações por crime de imprensa, calúnia e injúria, ajuizados pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores. Em um deles, o ex-presidente do PT Ricardo Berzoíni é o autor das denúncias, que foram acatadas contra Serra pela Justiça do estado de São Paulo.
O Congresso em Foco entrou em contato com a assessoria de José Serra, por duas vezes, mas não obteve qualquer retorno pra comentar as 17 certidões criminais positivas declaradas pelo presidenciável e os três processos por improbidade administrativa quando estava à frente do Ministério do Planejamento. Uma mensagem detalhada, com todos os casos, foi enviada por e-mail, mas ainda assim não obteve houve retorno.
Desbloqueio de poupança
O vice da candidata petista Dilma Rousseff, Michel Temer (PMDB), apresentou certidões que apontam para a existência de três processos criminais, pelos quais ele já respondeu na Justiça. Conforme a verificação nas certidões criminais, o candidato teve um processo ajuizado pelo Banco Central do Brasil, que trata de apelação em mandado de segurança por “Expurgos inflacionários nos Planos econômicos – Bancários – e Contratos de consumo no Direito do Consumidor”.
Por trás do longo título, há uma ação para desbloqueio de poupança na época do governo Fernando Collor. Logo no início de seu governo, Collor, para conter a inflação, bloqueou valores que estavam nas contas e nas poupanças das pessoas. Temer é, inicialmente, o autor da ação, mas o Banco Central recorreu. Com isso, o candidato passou da condição de requerente para querelado no processo em andamento na Justiça.
Nos outros dois processos que constam na certidão criminal do peemedebista, um é apresentado como “caso eliminado”, não apresentando qualquer detalhe, e o outro como apelação civil ajuizada contra deputados da bancada paulista na Câmara Federal, também sem detalhes. A assessoria de imprensa do candidato respondeu todos os casos alegando que as ações já estão na condição de transitados e julgados e não oferecem qualquer risco para o candidato. Ainda de acordo com a assessoria, a declaração apenas cumpre uma formalidade da Justiça Eleitoral.
Crime de estelionato
O candidato José Maria Eymael (PSDC) também aparece no levantamento. Ele apresentou ao TSE duas certidões positivas. Embora os processos datem de 1969, e não apresentem um detalhamento, ambos têm na tipificação o crime de estelionato. Um ajuizado na primeira Vara Criminal de Barra Funda, em São Paulo, e outro sem especificação.
O Congresso em Foco enviou uma mensagem dando espaço para o candidato explicar os motivos e razões pelos quais ele foi acusado pelo crime de estelionato e teve de enfrentar o processo na Justiça. O candidato do PSDC não respondeu ao site.
Mudança nos rumos
Avaliada como uma grande mudança no processo eleitoral, a certidão permitiu ao eleitor ter uma interpretação mais aprofundada sobre a vida pregressa do candidato. A avaliação é do Presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (Abramppe), Marlon Reis. Também conselheiro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), ele avalia que o simples fato do documento tornar-se público pode ser encarado como um grande avanço.
“Nesta eleição contamos com várias novidades. Além do Ficha Limpa ter se firmado, a publicação da certidão criminal muda a forma como se dá o processo eleitoral. Por mais que o candidato alegue ter uma reputação ilibada, ele terá que provar isso no papel. É será o eleitor que tomará a conclusão final”, avalia.
Mas há quem diga que as regras eleitorais propostas, no que diz respeito às declaração criminais, apresentam brechas. Seguindo a forma como são cobradas as certidões criminais, mesmo um candidato com uma certidão de “nada consta” pode responder a procedimentos policiais e judiciais. Ainda que um político seja investigado pela polícia e ainda que tenha sido indiciado, é possível o Supremo Tribunal Federal conceder o “nada consta” ao candidato.
Isso porque o tribunal não considera os inquéritos policiais como motivo para informar a ocorrência na certidão. É o que determina a resolução 356, de 2008, assinada pela então presidente do Supremo, ministra Ellen Gracie. Nem todos os tribunais adotam o mesmo critério do Supremo. A Justiça Federal de Roraima, por exemplo, informa quando os políticos respondem a inquéritos policiais.
Pela resolução 356 do STF, somente se o candidato investigado pela polícia for denunciado pelo Ministério Público ele não obtém o “nada consta”. Entretanto, se a denúncia ou queixa-crime não for recebida pelo Supremo, o político terá direito à certidão abonadora.
Congresso em Foco