Liberdade de expressão: o contrabando ideológico
Se existe um assunto que absolutamente nãome apetece é essa conversa de que no Brasil se encontram ameaçadas aliberdade de expressão, liberdade de opinião e liberdade de imprensa.Primeiro porque a confusão é grande e nem o editorialista nem ocomentarista designado para o mister faz o menor esforço para separaruma de outra, é tudo jogado no mesmo saco das intenções veladas.
Para aproveitar o bordão presidencial, tomo a liberdade de, solenecomo sói acontecer, declarar que nunca antes na história deste país seusufruiu de tanta liberdade – opinião, expressão, imprensa – como nosdias atuais. E nem se precisa ir muito longe para autenticar essa minhapercepção já que se trata de algo facilmente verificável.
Se o leitor desejar fazer uma amostragem na seara das revistas semanais de informação, basta acessar o acervo digital de Veja ou de Épocae, em rápido cotejo, verificará diversas matérias de capa oracondenando o presidente, ora o seu governo, ora o seu partido, ora asua coligação. Algumas das recentes edições do carro-chefe da EditoraAbril trouxeram na capa, sempre carregando na cor vermelho-escarlate,chamadas como “Lula, o mito, a fita e os fatos” (edição 2140), “Omonstro do radicalismo” (edição 2173), “Ele cobra 12% de comissão parao PT” (edição 2156) ou “Caiu a casa do tesoureiro do PT” (edição 2155).
E até o mensalão candango, que engolfou a última cidadelagovernamental do Democratas em fins de 2009, mereceu capa que longe detrazer à mente o partido demista fazia nada sutil remissão ao partidodo presidente. Oportuno recolher a desfaçatez com que vistoso colunistada revista Veja (26/11/2009) se referiu à candidata governista.Seu texto abria assim: “A fraude que virou candidata à presidência andapropondo que o país compare Fernando Henrique a Lula…”
Ficção e realidade
O mesmo poderá ser feito com os jornais de maior tiragem diária do país, como O Globo, a Folha de S.Paulo e o Estado de S.Paulo.São mais de oito anos de luta cerrada, quando não agredido emeditoriais sob medida para criticar essa ou aquela frase do presidente,sempre ânimo redobrado para fustigar essa ou aquela política pública.
Vejamos o que escreve o principal comentarista de política do jornal O Globo,Merval Pereira. Em apenas dois meses não deixou de vociferar o que crêseja digno de nota e remissões: a alcunha que criou para DilmaRousseff, a laranja eleitoral. Destaco os seguintes excertos de suacoluna em que o tema é temperado e retemperado pelo maduro articulista:
** “Os discursos nas convençõesdo PT e do PSDB, no fim de semana passado, revelam com clareza qualserá o tom da campanha presidencial daqui para a frente, quando játemos candidatos oficiais e não simples pré-candidatos, como aesdrúxula legislação eleitoral definia até então. De um lado, acandidata oficial, Dilma Rousseff, transformada pelo próprio Lula emsua ‘laranja’ eleitoral; de outro, o tucano José Serra atacando o PT, afalta de experiência da adversária, mas só se referindo a Lula demaneira indireta.” (“Meu nome é Dilma”, 15/6/2010)
** “A verdade, porém, é quemesmo que a candidata oficial Dilma Rousseff alegue que não compartilhaessas propostas, elas fazem parte de uma espécie de código genético daala mais radical do petismo, da qual ela já era figura proeminenteantes mesmo de surgir do bolso do colete de Lula para ser impingida aoeleitorado como sua ‘laranja eleitoral’.” (“Contradições”, 06/7/2010)
** “A candidata petista, por seuturno, tem alguns desafios importantes pela frente, o principal deles ode convencer o eleitorado de que o seu eventual primeiro mandato será oterceiro de Lula, o que pode transformá-la em uma mera ‘laranjaeleitoral’ do seu mentor. O que pode agradar a certo eleitorado, eafastar outro.” (“O predomínio eleitoral”, 16/7/2010)
** “Serra está à procura detemas que sirvam para atacar o governo Lula sem atacar o próprio,enquanto Dilma a cada dia valoriza mais o papel de ‘laranja eleitoral’de Lula, recusando-se a aprofundar o debate de políticasgovernamentais, passando apenas a única mensagem que interessa, a dacontinuidade do governo Lula.” (“Quem é quem”, 11/8/2010)
** “É também importante frisarque, àquela altura, ainda com sequelas do mensalão, Lula tinha 55% deavaliação de ‘bom e ótimo’ nas pesquisas, e hoje tem 77%. Mas, como nãoé ele que concorre, e sim uma sua ‘laranja eleitoral’, a transferênciade votos ainda não é total, e possivelmente não será.” (“Zona deconforto”, 17/8/2010)
E para defender sua ideologia liberal, vale tudo. Destaco o seguintediálogo (que me foi enviado pelo leitor D.M.S.) de recente capítulo nanovela Paraíso, da TV Globo. Observem como personagens de ficção avançam para além de qualquer trama para tratar do que consideram ser a realpolitik.E como vem sendo cada vez mais corriqueiro contrabandear ideologia ecrítica política através de personagens que, bem ou mal, caem nasgraças do povo:
Ator: “Você não é candidata a presidente da república. Nem presidente da Petrobras”
Atriz: “Quanto custa pra perfurar um poço de petróleo?”
Ator: “Muito…”
Atriz: “Mais de mil escolas?”
Ator: “Bota mil nisso…”
Atriz: “Mais de mil hospitais?”
Ator: “Bota mil nisso… Em vez de gastar dinheiro perfurando poço de petróleo, a gente poderia encher de escolas, hospitais…”
(Pausa para os comerciais).
Argumento anêmico
A “matéria” lista perguntas que, segundo a revista, a candidata serecusa a responder. Tudo no elevado estilo “intimidação sempre renderesultados”. Ao leitor imparcial fica evidente e enorme forma demarginalização que a mídia tenta aplicar à figura da candidata. Até aditadura brasileira é assumida pela revista, mesmo que indiretamente,como tendo ocorrido. As questões que a revista trata de cobrir – com ovéu de suspeição em estado bruto – representam torpe tentativa decriminalizar a candidata e, para tanto, não hesitam em minimizar ocontexto dando conta que o país vivia tenebroso período ditatorial.Escamoteou-se que Dilma desceu do muro e teve a coragem de decidir emque lado estava: a luta contra o arbítrio.
O colunista da Folha de S.Paulo Fernando Barros e Silva, naedição de 1/6/2010 do jornal, escreveu texto com o título “OBolsa-Mídia de Lula”. Profissional talentoso, Fernando não é só umarticulista, mas também editor. E, por ele passam as mais relevantesdecisões editoriais do jornal paulista. Pois bem: no texto, Fernandorepercute matéria da própria Folha, que demonstra como Lulapulverizou a verba publicitária do governo: em 2003, 179 jornaisreceberam verbas federais; em 2008, foram 1.273. Lula fez o mesmo comrádios e com a internet. Com esse raciocínio inicial era de se esperarqualquer coisa menos um petardo como o que ele arremessou a seguir:
Contra e a favor
Infelizmente tenho que reconhecer que nossos meios de comunicação demassa não revelam a realidade, mascaram-na; eles não ajudam a gerarmudança, transformações e, ao contrário, ajudam a evitá-la. Pior ainda,nossos meios estão bem longe de incentivar a participação democrática.São muito mais afeitos a nos levar à passividade, à resignação e aoegoísmo. Apropriam-se das bandeiras mais caras ao espírito humano –justiça, liberdade – para torná-las reles mercadorias de troca em suaincessante luta pelo poder, cada vez mais inconstante, cada vez maisfugidio.
Em 2002, em almoço nas dependências do jornal Folha de S.Paulo,seu diretor Otavio Frias Filho sapecou a questão para Lula: “Como é queo senhor vai governar o Brasil se não fala inglês?” Passados oito anoschegamos à conclusão que no caso talvez falar inglês pesasse contra, enão a favor, do então candidato à presidência do Brasil. É possívelque, ainda nos próximos 40 dias, atendendo a convite para hipotéticoalmoço no mesmo jornal, seu diretor de Redação sinta-se à vontade paraperguntar a Dilma Roussef:
“Como é que a senhora vai governar o Brasil se não fala a nossa língua?”