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Mino Carta: Astros, deuses e eleição

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Graças à revista Veja, edição de 21 de abril passado,aprendi que a Lua em Áries determina a liderança inata dos nascidos emPeixes, enquanto Saturno e Urano em conjunção levam-nos a reformulardogmas, desenvolver habilidade organizacional e reunir pessoasdiferentes em prol da mesma causa. Palavras do astrólogo Oscar Quirogaao traçar o mapa do pisciano José Serra, com exclusividade para asemanal da Editora Abril. Mas tem mais. Júpiter atingiria a posição domapa natal do candidato tucano, de sorte a avalizar a previsão: “Osinal mais marcante e auspicioso da sua candidatura se dará entre osdias 1º e 25 de agosto de 2010”.
Serra, contava Veja, “adora ler horóscopo” e tem predileção por Quiroga, que diariamente frequenta nas páginas do Estadão.No dia 21 de abril, o ex-governador de São Paulo há de ter sido tomadopor compreensível euforia. Dizia seu astrólogo preferido, sempre naVeja: “Se depender dos astros, José Serra está eleito”. Lembrei-meentão da Ilíada, tempo em que os deuses do Olimpo envolviam-se na vidacotidiana dos humanos, inclusive em suas guerras, como a de Troia.Pallas Athena, deusa da sabedoria, protegia descaradamente Ulisses e,portanto, os gregos. Afrodite, interesseira deusa do amor, ficava comPáris, belo mancebo, e portanto com os troianos.
Depois de ler Quiroga na Veja, ganhei a certeza de quetanto Pallas quanto Vênus ficariam com Serra, sem contar com a súbitaentrada em cena de Júpiter, ou seja, do próprio Zeus. Pergunto agoraaos meus esotéricos botões o que poderia ter ocorrido nas alturas doOlimpo, ou nas esferas celestes, para reverter dramaticamente osvaticínios de Quiroga. A minha surpresa se deve, inclusive, ao fato deque, à época, o candidato tucano, cidadão muito preparado, reconheceu:“Há uma espécie de ciência por trás disso”.
Qual seria o cataclismo cósmico que em escassos 25 dias de agostoassinalou a queda mais vistosa da trajetória serrista nas pesquisaseleitorais? E ainda: se tal teria de ser o período mais auspicioso dacampanha, que dirá do resto dos dias a nos separar de 3 de outubro?Onde estarão os deuses, onde se posicionarão os astros? Dos botõesfechados em copas exigi uma resposta. Foram lacônicos e incisivos:inferno astral. Quer dizer, Belzebu intrometeu-se.
Claro que a guerra não terminou. A de Troia foi vencida pelos gregosà última hora, por obra do cavalo de madeira inventado por Ulisses.Serra, entretanto, não é o Odisseu. Se fosse, teria adotado, ouso crer,outra estratégia em lugar de concorrer à Presidência. Candidato àreeleição ao governo de São Paulo em vez do seu ex-desafeto GeraldoAlckmin (ex mesmo?), ele seria consagrado na direção da locomotiva.Nada disso. Serra encaixou-se à perfeição no papel que Lula lheatribuiu e não será surpresa se amargar a derrota no primeiro turno.Esta odisseia poderia ter evitado, tanto mais por não ser um Ulisses.Se fosse, além do mais, não se tornaria, automática e inexoravelmente,candidato da direita, de uma nova e emplumada versão do udenismo mofado.
Que virá depois para ele? E para o PSDB- com suas pretensões de sera vanguarda da modernidade? E para Fernando Henrique Cardoso, envoltona teia das suas próprias artimanhas, caleidoscópicas ecircum-navegadoras? E para a mídia nativa, até há pouco empenhada até opescoço, não, não, até a raiz dos cabelos, em promover a candidatura dequem atravessou a existência a se preparar para a Presidência daRepública? E para o instituto de pesquisas Datafolha, que há trêssemanas registrava um empate entre Serra e Dilma, quando não uma levevantagem para aquele, e depois galopou na patética tentativa derecuperar o tempo perdido para adequar-se aos números dos demaisinstitutos?
Perguntas para o futuro próximo. Uma leitora de Porto Alegre,Fernanda Moema Santos Souza, teme um lance de desespero dos derrotados,in extremis. Seria uma tentativa de golpe? Pois o Brasil de 2010, e omundo, não são os de 1964, e os antigos donos do poder, hoje apenasdonos de si mesmos, sabem disso, e que sua mídia serve tão somente paraestimular os seus próprios rancores e medos.
 
Ah, sim, que será dos astrólogos? Ao menos, de um deles…
CartaCapital, edição impressa