A revolução sem maquinetas
Publicado em 03 Ago, 2010 às 14h34
Certamente deverão explorar todas as possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias da informação, mas o essencial é a mudança de foco, ampliação dos objetivos. Uma reviravolta de 180 graus na estratégia das empresas de comunicação centradas até agora na produção de entretenimento e doravante comprometidas com a difusão do conhecimento.
A compra do grupo Anglo pela Abril Educação e, dez dias depois, do grupo SEB pelos ingleses da Pearson (donos da Economist e do Financial Times) só foi registrado pelo diário Valor Econômico e pelos editorialistas do Estado de S.Paulo.
O resto da imprensa comeu mosca porque continua de pilequinho, inebriada pelos gadgets, enroscada em patéticas dúvidas sobre “modelos de negócios”. Não quis reconhecer que nos últimos dez anos andou enganada e enganou o leitorado com bolhas ilusórias e falsos apocalipses.
Sentido e direção
Quem ameaça a mídia impressa não é a internet; o dragão da maldade está escondido e atende por um nome mais complicado: precariedade intelectual. O leitor migrante que não se incomoda em trocar o jornal ou revista pelo twitter ou pelo torpedo do celular, na verdade não foi estimulado a desenvolver uma curiosidade intelectual. Lê o que lhe oferecem, contenta-se com migalhas. E na medida em que a informação oferecida pela mídia impressa é cada vez mais simplificada (a nova página sobre eleições da Folha de S.Paulo oferece infográficos, e não textos), a capacidade de concentração deste leitor torna-se cada vez mais limitada e ele, como ser pensante, cada vez mais subalterno.
A solução não é mediática, é didática. Educacional. No lugar de produtos informativos lineares e precários, dirigidos a robôs de carne e osso, uma aposta na qualificação das novas gerações. E o futuro na esfera da educação é medido por módulos de oito anos (dois mandatos presidenciais).
Já que o poder público não consegue se fascinar por grandes investimentos em educação porque demoram a dar resultados, as empresas de comunicação mais sofisticadas perceberam uma oportunidade no ensino privado de alta qualidade para grandes contingentes. Esta reversão na formação da sociedade é capaz de dar sentido, direção e velocidade aos projetos de crescimento econômico para convertê-los em desenvolvimento real, sustentável. Sem passes de mágica.
Olhar adiante
Com leitores comprometidos permanentemente com a busca do conhecimento – e, portanto, fidelizados – as novas tecnologias deixam de representar catástrofes e se transformam em estímulos para avanços.
As empresas de mídia impressa, sobretudo aquelas que se submeteram às formulações dogmáticas oferecidas pelas entidades corporativas, iludiram-se com o Deus Mercado: ele prefere consumidores exigentes porque são cativos, menos volúveis.
O agora agonizante Jornal do Brasil criou e manteve ao longo de pouco mais de três décadas sucessivas levas de leitores qualificados. Foi o primeiro jornal brasileiro a adotar um programa de leitura na sala de aula (ainda na década de 1960). Mas se o jornal ou revista avilta o seu conteúdo deixa de ser uma ferramenta de trabalho do educador. Os suplementos infantis e juvenis da grande imprensa tornaram-se rigorosamente descartáveis porque espelham os cadernos ditos “nobres”, banalizados pela obsessão com os apelos fashion.
Significa que o negócio do ensino privado de qualidade está intimamente vinculado à manutenção de uma imprensa de qualidade. Uma empresa que edita lixo jornalístico não terá credibilidade para atrair alunos para os seus estabelecimentos de ensino, em qualquer nível.
Uma escola pertencente ao grupo editorial espanhol Prisa (que edita El País, um dos melhores jornais do mundo) jamais poderá comprometer-se com um modelo de ensino autoritário, fundamentalista, antidemocrático.
Na beira do abismo, a imprensa descobriu que poderia se salvar. Em vez de olhar para o abismo fixou-se no horizonte.
Alberto Dines