A se confirmar esse prognóstico, apenas 7,4% dos eleitores terãosegundo turno — o menor índice desde que a Constituição de 1988estabeleceu o sistema de eleições em duas fases, com base no critérioda maioria absoluta. Há quatro anos, 41% dos eleitores, em dez estados,foram ao segundo turno. As eleições de 2010, na realidade, podem ser asmais rápidas desde 1986.
Desde 1988, cinco eleições presidenciais foram disputadas — e só nãohouve necessidade de uma segunda etapa de votação nas vitórias deFernando Henrique Cardoso em 1994 e 1998. Nestes anos, porém — e assimcomo em 1990, quando as disputas estaduais não eram casadas com apresidencial —, pelo menos mais de 60% do eleitores brasileiros foramao segundo turno escolher seus governadores.
É um percentual que tem caído pleito após pleito. De 77,7%, em 1994,quando 18 estados decidiram suas eleições na segunda etapa, o índice sereduziu continuamente até atingir 41,4% em 2006. Há quatro anos, dezestados foram ao segundo turno. Agora, num cenário mais competitivo, épossível que isso ocorra em até 11 unidades da Federação. Mas, aindaassim, a segunda rodada levaria às urnas o menor índice de eleitores:26,90%.
O quadro, porém, é improvável. Dependeria de uma combinação na qualtodos os candidatos que estão próximos da maioria absoluta não aconsigam.
É o caso de Tarso Genro (PT), no Rio Grande do Sul; de Silval Barbosa(PMDB), no Mato Grosso; e dos tucanos Simão Jatene, no Pará; BetoRicha, no Paraná; Marconi Perillo, em Goiás; e José de Anchieta, emRoraima. Eles oscilam entre 48% e 53% dos votos válidos, de acordo compesquisas recentes, cujas margens de erro são de 2 ou 3 pontospercentuais para mais ou para menos. Logo, teriam de 45% a 56%.
A onda de eleições rápidas, desta vez, pode atingir até campeõeshistóricos de indefinição, onde sempre houve segundo turno desde 1990,a exemplo do Rio Grande do Sul e do Pará, como mostra levantamento dojornal Valor Econômico publicado nesta quarta-feira (15).
Hegemonias
A pergunta intrigante é o que estaria por trás do fenômeno, que vemcrescendo a cada eleição. Curiosamente, a facilidade de se obtermaioria nos estados não confirma antigas ideias. A primeira delas é ada oligarquização. Em algumas situações, a escassez de segundo turnorealmente está associada à longa hegemonia de um chefe ou de um grupopolítico.
É o caso da Bahia, onde se deu o longo reinado de Antônio CarlosMagalhães. Do Ceará, controlado há 25 anos pelo grupo político de TassoJereissati e Ciro Gomes. É, em parte, o caso do Amazonas, onde desde1990 a disputa sempre terminou no primeiro turno, dando vitória a criasda família política gerada por Gilberto Mestrinho.
Mas não é a mesma situação de Mato Grosso, outro campeão de construçãode maioria. Em 1994, ao quebrar a hegemonia da família Santos, o estadoaderiu amplamente a Dante de Oliveira, que obteve uma votaçãoexpressiva de 71,3% no primeiro turno. Reeleito em 1998, o governador,no entanto, não conseguiu fazer seu sucessor, em 2002, quando seinaugurou um novo predomínio, de Blairo Maggi, que venceu em 2006, com65,4% dos votos.
Atualmente, os dois candidatos que lideram a competição, Silval Barbosa(PMDB) e Wilson Santos (PSDB), defendem o legado de Dante e de Maggi,respectivamente. A disputa — que inclui uma terceira força relevante,Mauro Mendes, do PSB — estava apertada. Mas as pesquisas indicam que oEstado pode, mais uma vez, decidir no primeiro turno, a favor deBarbosa, que tem 52% dos votos válidos (Ibope).
O caso de Mato Grosso também se aplica a outros estados, onde ahistória política e a preferência do eleitorado parecem mais afeitas amudanças bruscas entre correntes políticas. Na Bahia, o desmantelamentodo carlismo cedeu espaço rapidamente à hegemonia petista. JaquesWagner, que conquistou seu mandato numa vitória histórica, em 2006,deve repetir o feito de ganhar no primeiro turno.
Desde 1990, Pernambuco deu maiorias antecipadas tanto ao então líder deesquerda Miguel Arraes, em 1994, quanto a seu adversário JarbasVasconcelos, eleito e reeleito em 1998 e 2002, mas que agora perderiade 63% a 21% (Datafolha), para o governador Eduardo Campos (PSB), netode Arraes.
No Acre, o predomínio recente dos irmãos Viana é mais o resultado dasraízes fincadas por um partido, o PT, do que por uma oligarquia nosmoldes tradicionais. Foi na seção do partido no estado que a candidataà Presidência Marina Silva ganhou projeção nacional, antes de se mudarpara o PV. Ou seja, a tese da oligarquização não explica a falta desegundo turno mesmo nos estados onde frequentemente o fenômeno temocorrido.
Desenvolvimento
A segunda ideia, relacionada à anterior, baseia-se na hipótese de quequanto menor o desenvolvimento socioeconômico, menor a competitividadeeleitoral. Mas também não é boa explicação. Todos os estados em que nãohouve segundo turno ou onde ele foi realizado apenas uma ou duas vezesdesde 1990 concentram, de fato, à exceção do Espírito Santo, unidadesda Federação das regiões menos ricas do país: quatro são do Nordeste(Alagoas, Bahia, Ceará e Pernambuco), três são do Norte (Amazonas, Acree Tocantins) e dois são do Centro-Oeste (Mato Grosso e Mato Grosso doSul).
Mas estados com baixo índice de desenvolvimento também são maioriaentre aqueles onde a disputa no segundo turno predominou. Amapá,Paraíba, Rondônia e Roraima levaram a competição além do primeiro turnoem quatro eleições, assim como São Paulo. E o Pará forma com o RioGrande do Sul os campeões de segundo turno. Nestes estados, de perfissocioeconômicos tão diferentes, a disputa sempre foi prorrogada desde1990 — o que pode não ocorrer nestas eleições.
Se o perfil dos estados onde, historicamente, tem havido mais — oumenos — segundo turno não figura como pista para a onda de eleiçõesterminadas em primeiro turno, o que então explicaria o fenômeno? Para ocientista político Fabiano Santos, professor do Iesp-Uerj, a rápidaformação de maioria reflete uma tendência de acomodação de estratégiasdas elites políticas e dos eleitores brasileiros ao longo do tempo,cujo resultado é uma antecipação, já no primeiro turno, do que viriaser o segundo.
Santos lembra que esse é um dos efeitos típicos do sistema de votaçãomajoritário. Cálculos e articulações feitos, primeiro, pela classepolítica, e depois pelos eleitores, tendo em vista as regraseleitorais, evitam a dispersão de candidaturas e o desperdício devotos. Cria-se um padrão bipolarizado, com pouca fragmentação daspreferências dos cidadãos. É o caso da maioria dos países anglo-saxões,como Estados Unidos e Reino Unido, cujas eleições legislativasmajoritárias moldaram modelos bipartidários.
Mesmo em disputas majoritárias nas quais há segundo turno — o que tendea estimular o eleitor a apoiar terceiros partidos no primeiro turno -outros fatores podem colaborar como forças centrípetas, afirma FabianoSantos. “As condições para se fazer campanha mudaram. Os institutos depesquisa estão aferindo a opinião do eleitorado o tempo todo, o quereduz a incerteza. E os custos de propaganda são elevados”, diz.
Fabiano Santos ressalta que um traço das eleições deste ano foi aexistência, pela primeira vez, de modo tão explícito e bem-sucedido, deuma coordenação para que houvesse poucos conflitos entre os partidosaliados no plano nacional nas disputas estaduais. “A teoria queprevalecia era a de que o PMDB não tinha coordenação, por ser umpartido de caciques regionais”, afirma Santos.
Nessa “verticalização natural” das candidaturas, as disputas estaduaisficaram mais concentradas, reproduzindo a lógica polarizada que vemprevalecendo nas eleições presidenciais entre PT e PSDB. A reeleiçãotambém é um fator que poderia explicar a rápida construção da maioriano primeiro turno, pois facilita a identificação, pelos eleitores, dosresponsáveis por boas gestões. Mas é preciso que os governantes tenhamcriado estas boas condições e, em segundo lugar, capacidade decomunicá-las.