Categories: Política

Entrevista de Mario Prata, escritor, ao Diario de Natal

Share

Mario Alberto Campos de Morais Prata. Mario Prata. Escritor,jornalista, mineiro, simpático, antipático, inteligente, sarcástico.Gentil, educado, escrachado. Quem não conhece Mario Prata? Ele esteveem Natal na semana passada participando do IV Seminário Potiguar Prazerem Ler e concedeu entrevista ao Diário de Natal. Era fim de tardequando Mario recebeu a equipe na entrada do hotel. Falando devagar,criticou a imprensa brasileira, reconheceu que já escreveu fracassos eafirmou que para as crianças começarem a ler é preciso indicar livrosapropriados para a idade delas.

Existe uma razão para se ler tão pouco no Brasil atualmente?

Eutenho uma teoria a respeito disso: a minha geração dos anos 60 foi aúltima que morou em casa onde se lia. Nossos pais liam muito, eutropeçava em livros, minha mãe lia muito, meus tios, todo mundo tinhalivros. Hoje, as pessoas que estão com 15, 16, 17 anos não têm livrosem casa, os pais não têm livros em casa, não é que não lêem, eles nemtem livros em casa, ninguém tem mais aquelas estantes. Quando eu eracriança, no quarto da gente tinha estante. Isso foi sumindo. A minhateoria é que isso coincide com a unificação do vestibular, em 66 ou 67.Até então, cada curso tinha um vestibular. Quando unificou, há meioséculo, resolveram que o vestibular ia ser português, matemática,física, biologia e química. Então, há 50 anos o garoto precisava lerlivros de biologia, química, física e Camões ou Eça de Queiroz, paraentrar na faculdade, nivelou. Aquilo ali é para entrar na faculdade,ele é obrigado a ler aquilo ali tudo. Aí ele entra na faculdadee diz’nunca mais leio’. E essa geração já está com 60 anos. Esses que nãoleram são pais desta geração que não lê agora, e na casa dele não temlivro.

O que precisa ser feito para as crianças lerem mais?

Indicarlivros adequados, isso já é um começo. E não ter que ler e na outrasemana fazer um resumo de trinta linhas. Eu estava vendo a relação delivros que estão sendo indicados para os garotos daqui de Natal e égenial. Tem só um Saramago no meio, só que eu vou mandar tirar,Saramago já é demais. Mas tem livros muito bons de autores como RuthRocha, Gabriel Rubem Alves, Marina Colasanti, Ziraldo, e por aí vai.

A leitura de best sellers internacionais é um problema para os escritores brasileiros?

Oque é desesperador para nós, escritores, no momento são os vampiros. Obrasileiro está lendo por modismo. Você deve se lembrar que quando saiuo livro “O Caçador de Pipas” houve um enxame de livros orientais, sótinha aquilo. O da Pipa era bom, mas só veio merda depois dele. Viroumoda e isso durou uns dois, três anos. Você vai numa livraria hoje e sóvê roxo, aquele roxão das capas dos livros de vampiro. É triste. Agente ficou de março até agora sem ter nenhum brasileiro entre os 10mais vendidos, entrou agora o Paulo Coelho# que também é meio vampiro.Apesar de ser uma ótima pessoa, eu gosto muito dele como pessoa, mas émeio vampiro (risos).

E aquela história que todo mundo fala que não lê mais porque livro no Brasil é caro?

Quantaspessoas cabem no Machadão? 40 mil. Um América e ABC dá 40 mil pessoaslá. O ingresso custa R$ 40. Tem gente que vai quatro vezes por mês nofutebol e não compra quatro livros por ano. O livro custa R$ 39,90, temlivro de R$ 30, de R$ 20. Então, é desculpa. Pouquíssimos livros noBrasil vendem 40 mil exemplares, e estádio todo domingo tem cinco ouseis lotados no Brasil. Então, essa desculpa não cola.

Sobre o fim da versão impressa do Jornal do Brasil, teria a ver com a internet?

Nãotem nada a ver. A triste decadência do JB é uma coisa de mais de 20anos, é de antes da internet.Não teve absolutamente nada a ver, nem deter acelerado a coisa. Eu não tenho nenhum dado científico, mas o queeu sei é que o JB vinha aos trancos e barrancos há mais de 20 anos. Eujá trabalhei no Última Hora, que também fechou e é triste porque foramjornais importantes. É triste porque você fica sempre lembrando aqueleclima da redação, que é muito forte, diferente das redações de hoje,que são muito frias. Os jornais naquela época eram feitos quase queexclusivamente por repórteres, que é uma coisa que não existe mais, nãotem mais repórter no Brasil. Eu sempre digo que o último repórter queeu acho que tem no Brasil é o Caco Barcellos, é o cara que investiga,que consegue do jornal semanas, meses, anos para fazer uma matéria.Hoje em dia não se tem vontade, não tem mais aquela coisa do diretor deredação acreditar numa investigação.

Você coloca todos no balaio?

Colocotodo mundo no mesmo balaio. A imprensa brasileira está podre. Osgrandes jornais, as coisas que são consideradas grande imprensa noBrasil como Folha de S. Paulo, Globo, Estadão, Jornal Nacional, Veja,para mim são piadas. Todos esses que eu citei tem ódio do Lula, é umódio doentio, é uma coisa que me dá medo. Outro dia peguei o Estadão etinha oito chamadas na capa falando mal do governo, algumas coisas queocorreram há sete anos. Meu filho casou-se agora com uma repórter daeditoria de política do Estadão, e o Serra ligou pra ela antes docasamento. “Julia, eu soube que você vai se casar, mas você não vai terlua de mel, né? Você não pode ter lua de mel agora“. Por aí você vêcomo Serra está dentro do jornal.

Nenhuma vontade de voltar a atuar como jornalista?

Eugostaria de voltar a escrever crônica. Eu estou há cinco anos fora daimprensa. Como fiquei treze anos no Estadão escrevendo crônicas, sintofalta porque eu continuo escrevendo elas na cabeça, sem publicar. Mastirando a Veja – que eu acho que é doente demais – qualquer um desseslugares que eu falei pra você, se me chamassem para trabalhar, eu iria.

De toda sua produção, há obras que você não gosta?

Claro.Não só tem coisas que eu não gosto, como já escrevi grandes fracassos.A vantagem no Brasil é que o fracasso não faz sucesso. Tem algunslivros que eu não gosto e muitas crônicas. Durante muitos anos escrevitrês crônicas por semana que eram publicadas em veículos diferentes.Era uma loucura você fazer três por semana, quase impossível, então,escrevi muita merda# E se você perguntar para qualquer escritorhonesto, ele vai dizer que sim, que tem coisas dele que não gosta.Tenho dois livros que não resultaram legal, aliás, os dois únicoslivros que eu fiz por encomenda. Um se chama Cinco dedos de prosa. Nãofoi um fracasso de venda, mas minha opinião é de que não é bom. E ooutro é O Diario de Um Mago II, que foi uma picaretagem.

Você carrega alguma culpa?

Hámuito tempo já existiu culpa. Acho que em 72, 73, Chico Buarque e eutivemos uma amizade diária e a gente estava tentando fazer um musicalinfantil, mas a gente só bebeu e ficou só no título. A gente estava lána casa dele tomando uma caipirinha e os discos dele estavam tocando emtodo lugar e vendendo nas lojas, dá uma culpa mas já superei. 

Diario de Natal