Equilíbrio entre governo e mercado é sucesso no Brasil, diz economista-chefe da OCDE
Publicado em 10 Set, 2010 às 13h52
Em entrevista à BBC Brasil, Padoan diz que o “Brasil encontrou umequilíbrio importante entre o crescimento econômico e as questõessociais” embora possa crescer mais se houver melhorias na educação e nosistema fiscal.
Ele fala também dosdesafios da Europa diante da crise econômica global e diz que essa “éuma oportunidade importante para mudanças positivas” no continente.
BBC Brasil – Por que o Brasil atravessou melhor a crise do que as economias ricas da OCDE?
Pier Carlo Padoan – Achoque o Brasil, como outros países emergentes, mostrou uma grandecapacidade para reagir à crise atual. Isso é o resultado do aprendizadocom crises passadas. Eu me lembro muito bem da transformação efetuadapelo Brasil na primeira metade dos anos 2000 porque trabalhava no FundoMonetário Internacional naquela época. Agora, a performance do Brasil émuito favorável. No início de 2000, a taxa de crescimento da economiabrasileira era muito baixa e atualmente é muito forte. Isso não é algoque possa ser obtido sem transformações importantes.
BBC Brasil – Quais foram as mudanças no Brasil nesse período?
Padoan – OBrasil é uma história de sucesso porque o país encontrou um novoequilíbrio entre a livre concorrência dos mercados e a intervenção doEstado na economia. É um caso muito interessante de sucesso, que écertamente permanente porque é o resultado de uma transformaçãoestrutural da relação entre os setores público e privado na economia.
BBC Brasil – O senhor pode dar um exemplo dessa transformação estrutural?
Padoan – Aquestão fiscal e as relações entre o governo central e os dos Estados,discutida há alguns anos, é um elemento importante. O problema foiresolvido com uma solução nacional e é também uma lição para outrospaíses que têm uma estrutura federal, como o Canadá, a Índia, a Suíça etambém a Itália. Menciono também a vitalidade da indústria brasileira,sua capacidade para ter posições competitivas importantes em setoresavançados, como a aeronáutica.
BBC Brasil – O que mais pode ser destacado nessa relação entre os setores público e privado no Brasil ?
Padoan – OBrasil encontrou um equilíbrio importante entre o crescimento econômicoe as questões sociais. O país encontrou mecanismos de transferência derenda à população. É impossível encontrar soluções que sirvam a todosos países. Cada país deve refletir em função de sua história, de suasinstituições e de sua cultura para encontrar soluções para os problemasestruturais.
BBC Brasil – No caso da Europa, quais são os principais desafios pós-crise?
Padoan – Os desafios da Europa são, ao mesmo tempo,econômicos e institucionais. O grande desafio econômico, que já existiaantes da crise, é o de conseguir a retomada do crescimento. A Europadeve reforçar o motor do crescimento com uma nova interpretação domodelo de integração europeia, principalmente nas áreas das novastecnologias ambientais. Do ponto de vista institucional, a crise naGrécia mostrou que a zona euro precisa precisa reforçar a governançaeconômica, que abrange também a competitividade dos países e aestabilidade financeira. É preciso maior crescimento para melhorar obem estar social na Europa, mas também para assegurar a estabilidadedas receitas fiscais, já que a crise econômica provocou a crise dasfinanças públicas.
BBC Brasil – A demora em socorrer a Grécia não demonstraria que a Europa ainda está longe de ter uma governança econômica?
Padoan – Vemosclaramente que o governo grego, mas também Espanha, Portugal e Irlanda,que sofrem pressões para controlar os orçamentos, criaram programas dereformas muito ambiciosos, muito rigorosos. É uma nova demonstração deque as crises podem ser uma oportunidade importante para mudançaspositivas. Não apenas dos governos individualmente, mas também emrelação às instituições europeias. A Europa decidiu ativar novosinstrumentos, sobretudo o Fundo para a Estabilização Financeira, que éuma forma embrionária de um fundo monetário regional, como também arevisão dos pactos de estabilidade (acordo que visa a evitar déficitspúblicos excessivos), com uma fiscalização mais rigorosa, e aindaaspectos em relação à competitividade para evitar que existamdivergências entre os países da zona euro. Vimos claramente que umazona monetária não pode sobreviver se os equilíbrios internos não sãolevados em conta. Estou otimista. A crise trará transformaçõespositivas do ponto de vista institucional também.
BBC Brasil- Vários governos europeus questionaram as políticas de apoio econômicoe lançaram planos de austeridade. Qual seria a solução? É precisomanter o apoio do Estado para evitar a recessão, ou planos deausteridade são necessários para evitar novas crises financeiras?
Padoan – Acrise é grave e os ajustes também devem ser severos. A situação nosmercados ficou agora sob controle. Os mercados responderampositivamente aos planos de austeridade da Grécia e de outros países.Certamente, os planos de ajustes a médio prazo, para reconquistar aconfiança dos mercados, terão um pouco de impacto sobre o crescimentoeconômico, mas é o preço que deve ser pago para haver credibilidade daspolíticas fiscais e monetárias. É um desafio para a Europa, mas tambémpara outros países. O problema da dívida insustentável a longo prazoexiste em todos os países ricos.
BBC Brasil – O papel regulador do Estado é hoje maior na Europa?
Padoan – OEstado tem muitos papéis. Claro que há o papel de apoiomacro-econômico, que vai diminuir porque é preciso reduzir a dívidapública. O papel regulatório do Estado também é muito importante. Opapel do Estado é o de definir regras e é também necessário terinstrumentos para aplicá-las. O exemplo mais evidente hoje é o dareforma do sistema financeiro, que deve ser, ao mesmo tempo, uma tarefanacional, mas também internacional. O G20 deve ter um papel importantenessa questão.
BBC Brasil- Podemos dizer que há uma mudança na Europa após a crise? A presençado Estado em termos de regulação se tornou maior?
Padoan – Acrise mostrou que há falta de regras e também de fiscalização. Épreciso ter regras adequadas e colocá-las em prática. O Estado precisaser reforçado em termos de novas regras, é isso o que representa areforma financeira. Mas é necessário ter também instrumentos defiscalização em relação às operações bancárias e dos mercadosfinanceiros. A crise reforçou o papel das instituições internacionais,como o FMI, o Banco Mundial. Desse ponto de vista, podemos dizer que hámais presença, mas não quero dizer do Estado, prefiro utilizar apalavra governança.
BBC Brasil – A crise trouxe novas perspectivas para o setor privado?
Padoan – Acrise colocou em evidência que é preciso mudar o modelo de crescimentoeconômico. Devemos encontrar novas fontes de crescimento – a inovação,a expansão das atividades ligadas às questões ambientais. É precisomudar a utilização dos recursos e é preciso ter mecanismos parafacilitar isso. Estamos desenvolvendo estratégias para o chamado crescimento verde. As mudanças climáticas também são uma oportunidade para mudar o modelo do crescimento.
BBC Brasil – Quais são as lições que o setor privado pode tirar com a crise ?
Padoan – Osetor financeiro aprendeu que ter uma perspectiva de curtíssimo prazo,segundo a qual os lucros a curto prazo são o único fator importante,não é boa. O setor privado não financeiro aprendeu que é preciso terregras e instituições mais eficazes para orientar os recursos com umavisão de longo prazo. O espírito empresarial deve ser reforçado. É umalição para o setor privado, mas também para o setor público.
BBC Brasil – O senhor elogiou bastante o Brasil. Quais são os principais aspectos que o país precisa melhorar?
Padoan – OBrasil é um grande país com uma taxa de crescimento forte, quedemonstrou sua capacidade para enfrentar uma grande crise melhor domuitos outros países. Há várias ações que podem ser feitas paramelhorar a situação e aumentar a capacidade de crescimento. A OCDEdivulgou um estudo chamado “Para o Crescimento”, que analisa osdesafios estruturais dos países membros da organização e de outrosnão-membros, como o Brasil. No caso do Brasil, identificamos margens decrescimento potencial associadas à melhoria do sistema educacional, ouseja, do capital humano, e também ligadas à inovação do país. O Brasilpode melhorar seu sistema fiscal. Há margens para o Estado melhorar suaarrecadação e também ser mais eficaz na utilização dos recursos. Sehouver progressos nessas áreas, haverá um crescimento forte a longoprazo.
BBC Brasil- O governo brasileiro atual não demonstra interesse em se tornarmembro da OCDE. O sr. espera que o novo governo que sairá das urnasmude de posição?
Padoan –O Brasil não é membro da OCDE, mas fazemos muitas coisas juntos. Aquestão da adesão é bilateral. Os países membros devem se interessar emter o Brasil como membro, mas o Brasil também deve ter o interesse dese tornar membro oficial permanente. É um objetivo de médio prazo. Parareforçar as atividades entre o país e a organização, é precisodemonstrar ao Brasil que a OCDE pode ser útil para a políticabrasileira e mostrar aos outros países que é importante ter o Brasil nafamília. Vemos, a cada dia, uma melhoria nas relações entre o Brasil eos outros países. O convite para ser membro é a conclusão de umprocesso diplomático de conhecimento recíproco. Esse processo jácomeçou há muito tempo.
BBC Brasil