Luis Soares
Colunista
Política 10/Set/2010 às 18:37 COMENTÁRIOS
Política

Mino Carta: O bode espiatório

Luis Soares Luis Soares
Publicado em 10 Set, 2010 às 18h37
Bom pai José Serra é. Mas basta isso para ser candidato àPresidência da República? Espantado, ouço estranhas, surpreendentesconversas pelos locais das horas felizes, os mesmos onde, até há pouco,pouquíssimo tempo, Serra era apontado como o aspirante “preparado”,concorrente, imbatível contra Dilma, “a guerrilheira” sem experiênciaeleitoral. Dramaticamente despreparada. Pois o tucano, conforme asfalas que me cercam, começa a ganhar as inconfundíveis feições de bodeexpiatório. De certa forma, um Dunga da política.
Os cavalheiros e suas damas faiscantes de berloques e pedrariasbuscam uma explicação para o desastre que se esboça. É com melancoliaque tomam seu vinho de rótulo retumbante, a girar o copo em curtasevoluções aprendidas não sem fadiga psicossomática nos últimos anos.Aplicados discípulos do up-to-date, substituíram o uísque que osacompanhava horas a fio até ao jantar, enquanto, na hora do almoço,surgem de gravata amarela nos restaurantes finos e caríssimos. Salvoraras e honrosas exceções, entraram na parada com a certeza da vitória.Seria o seu próprio triunfo, por sobre os escombros de Lula e dolulismo, perdão, de Lulla e do lullismo. Se a Seleção Canarinho perde,é por vontade divina, ou porque o técnico errou. E se perde o candidatoSerra, de quem a culpa?
Não faltam os técnicos, ou seja, os marqueteiros, uma corte deespecialistas não se sabe com exatidão em que matéria, tidos, porém,como indispensáveis nas nossas paragens. Às vezes me pego a imaginarRoosevelt ou Churchill, ou mesmo Zapatero e a senhora Merkel, queinvocam a presença de peritos à sua volta para instruí-los como diretorde teatro faz com seus atores.
Os marqueteiros nativos são iguais à mítica fênix. Imortais,reaparecem sempre porque sempre perdoados. Vai sobrar para o próprioSerra, não ficou à altura das esperanças. Caiu em incertezas econfusões que seus eleitores cativos, tão fiéis, tão dedicados, nãoimaginavam. Não mereciam. Já está em elaboração a listagem dos erros docandidato tucano. Demorou demais para anunciar a candidatura. Não soubecativar Aécio. Imprimiu à campanha direções diversas e até opostas.Etc. etc.
Não é que a mídia não tenha colaborado para a vitória tucana.Formidável mídia, de tucanagem ampla, geral e irrestrita. Um institutode pesquisas, o Datafolha, também participou do esforço. Surgiu ainda adenúncia, também apelidada de dossiê, a lembrar histórias de alopradose mensalões. E nada? Culpa do Serra, dirão os senhores e suas damas. Eme vejo, de improviso, a me compadecer, sinceramente, do futuro,iminente derrotado, em quem reconheci, e reconheço, muitas qualidades.
O erro de Serra foi ter caído na esparrela urdida por Lula, a doplebiscito inescapável, sem perceber, além da força dos adversários, amudança que o ex-metalúrgico guindado à Presidência acarretou para oPaís, acima e além de alguns bons e inegáveis resultados alcançados porseu governo. A situação, precipitada em grande parte pela identificaçãoentre a maioria e seu presidente plebeu, digamos assim, acabou porempurrar Serra para a direita como nesta página foi observado inúmerasvezes. O ex-presidente da UNE, perseguido pela ditadura, tornou-serepresentante de um partido fadado a ocupar o mesmo espaço outrorapreenchido pela UDN velha de guerra.
Sublinhei também que Serra nunca recomendou “esqueçam o que eudisse”. Mesmo assim, na alternância contraditória das rotas da suacampanha, o candidato tucano amiúde, e lamentavelmente, permitiu-setons udenistas adequados à exposição de ideias idem. Vivêssemos outrotempo, nada disso importaria, está claro. Empenhada em assustar aminoria privilegiada, a mídia nativa teve êxito em 1989, 1994 e 1998,contra o espantalho do Sapo Barbudo. Faz oito anos, contudo, que osargumentos da chamada elite não logram os resultados de antanho, masSerra e os seus eleitores não se deram conta disso até hoje.
Esta incapacidade de compreender um Brasil diverso daquele sonhado,esta ignorância, é que confere um toque patético à derrota da minoriaprivilegiada, dos herdeiros e cultores de um passado que os fez donosdo poder. Não são mais, a despeito da descoberta do vinho servido emtaças, como dizem os maîtres. 
Mino Carta

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