Saúde

Preconceito ainda é o principal obstáculo ao combate

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Mesmo com o primeiro diagnóstico da doença feito há quase 30 anos no Brasil, ainda existem dúvidas e muito preconceito em torno da epidemia

Vivendo com o HIV

Melany Lima foi contaminada pelo HIV na amamentação. Perdeu o pai aos dois anos e a mãe, aos 13. Ela é de Céu Azul (PR) e hoje, Dia Mundial da Luta Contra a Aids, está em Brasília, a convite do Ministério da Saúde. Integrante de uma rede de jovens com HIV, participa de uma campanha que será lançada contra a discriminação dos soropositivos. Melany vai prestar vestibular para Medicina. A jovem considera que o “preconceito é um ato de maldade” e conta sobre sua batalha cotidiana para viver bem: “tenho que me alimentar bem, tomar remédio na hora certa, para ficar bem como estou. Tento ser feliz. Tem dias de ‘deprê’, mas logo passa e eu vou à luta.”

Melany é uma das 630 mil pessoas que vivem com o HIV no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde. O Brasil registra, por mês, cerca de 35 mil novos casos da doença. Desde o início do surgimento da doença, em 1980, até junho de 2009, foram feitos 544.846 diagnósticos. Neste período, foram registradas 217.091 mortes em decorrência da doença, segundo dados do Boletim Epidemiológico de 2009.

Falta Estado

Para o presidente do Fórum de Organizações Não Governamentais (ONGs) Aids do estado de São Paulo, Rodrigo de Souza Pinheiro, “a questão da prevenção é um grande desafio, principalmente para as populações mais vulneráveis, e o Estado deixa a desejar nesse sentido. Se a gente analisar, no Brasil temos falhado muito na questão do acesso, tanto das pessoas que vivem com o HIV, quanto das demais que precisam do serviço de saúde. Isso é um grande desafio para o governo que está assumindo. É necessário também facilitar acesso aos preservativos e aos testes. Em alguns estados, principalmente do Norte e
Nordeste, isso ainda é muito complicado, e é onde a epidemia tem mostrado um nível de crescimento”.

Pandemia global

A Aids matou no ano passado cerca de dois milhões de pessoas no mundo, mas 2010 traz um certo otimismo com a redução de novas infecções, os novos tratamentos contra a doença e os meios adicionais para prevenir a transmissão. As novas transmissões reduziram 19% desde 1999, alcançando a cifra de 2,6 milhões em 2009, segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids).

Além disso, o acesso aos tratamentos se ampliaram: mais de 5,2 milhões de pessoas tiveram acesso a antirretrovirais nos países em desenvolvimento, quando em 2004 não chegavam aos 700.000 beneficiários.

No entanto, o diretor executivo da Unaids, Michel Sidibé, recordou que 10 milhões de pessoas continuam à espera de um tratamento e os avanços obtidos até agora são muito frágeis por causa da situação financeira mundial.

Atualmente existe uma série de ferramentas para a prevenção e redução de riscos, mas na falta de uma vacina, os pesquisadores tentam acrescentar novos métodos a este arsenal.

Um dos mais promissores é a utilização dos antirretrovirais em pessoas não infectadas. Também está se ensaiando um gel microbicida que cria uma “esperança para toda uma geração de mulheres”, segundo Sidibé.

Mitos e verdades

Mesmo com o primeiro diagnóstico da doença feito há quase 30 anos no Brasil, ainda existem dúvidas e muito preconceito em torno da epidemia. A reportagem organizou uma lista de mitos e verdades, com material de entrevistas e do departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde. Confira:

Aids e HIV são a mesma coisa
Errado. Aids é a doença causada pelo vírus HIV, que ataca o sistema imunológico do portador. É possível passar muitos anos com o vírus e sem a doença manifestada. Mas isso não impede sua transmissão por relações sexuais ou pelo contato com sangue contaminado.

Ainda existem grupos de risco
Errado. Hoje existem comportamentos de risco, como sexo desprotegido, uso de drogas injetáveis, contato com sangue ou com objetos cortantes contaminados. A ideia dos grupos de risco surgiu no início da epidemia, quando a doença se alastrava entre homossexuais, hemofílicos e dependentes químicos. Mas essa distinção logo se mostrou inapropriada.

Sexo oral transmite HIV
Certo. O contato com os fluídos durante o sexo oral pode transmitir o vírus HIV. Tal prática deve ser realizada com preservativo.

O risco de contágio pelo sexo anal é maior
Certo. Como a mucosa anal é mais frágil do que a vaginal, o risco de contágio é maior.

Toda gestante soropositiva vai transmitir o vírus HIV durante o nascimento
Errado. É possível evitar a transmissão vertical (de mãe para filho) com pré-natal adequado. A mãe deve ter baixa carga viral e boa imunidade. São ministrados antirretrovirais ao longo da gestação.

A camisinha é segura contra o vírus HIV
Certo. Estudos norte-americanos já ampliaram o látex, material do preservativo, em 30 mil vezes e não detectaram nenhum poro pelo qual o vírus pudesse passar. A camisinha continua sendo o método preventivo mais recomendado porque também evita outras doenças sexualmente transmissíveis e serve como forma barata e simples de evitar uma gravidez indesejada.

A manifestação da Aids pode ser fatal para o portador
Certo. A doença é marcada pela fase mais avançada da infecção, quando a imunidade se torna muito baixa e permite o ataque de doenças oportunistas. Debilitado, o paciente pode não resistir a problemas como hepatites virais, tuberculose, pneumonia, toxoplasmose e alguns tipos de câncer. Mas há como impedir isso. Se o vírus for detectado na fase em que os sintomas não se manifestaram, é possível começar o tratamento para fortalecer o sistema imunológico e enfraquecer o vírus. Por isso é recomendado o teste sempre que a pessoa for exposta a alguma situação de risco.

Uma pessoa pode ser acusada na Justiça de transmitir o vírus HIV ao seu parceiro
Certo. Existe essa possibilidade, mas ela requer algumas condições bem específicas. É preciso provar que houve intenção de contaminar o parceiro e que ele foi, de fato, contaminado ou exposto ao risco. A questão é polêmica e divide especialistas. O Ministério da Saúde, por exemplo, é contrário à criminalização do portador por julgar tal postura favorável ao aumenta da discriminação.

Quem é portador do HIV deve sempre revelar sua condição
Errado. Como existe muita discriminação em torno da Aids, os especialistas recomendam revelar a condição apenas quando o portador se sentir seguro para isso. O mesmo vale para relações amorosas, embora revelar a situação ao parceiro seja uma forma de compartilhar as dificuldades e de ter apoio contra a doença.

A Aids também ameaça pessoas casadas ou em relacionamentos estáveis
Certo. “A sociedade ainda é muito machista e permite ao homem determinados comportamentos não permitidos às mulheres”, afirma o sanitarista Artur Kalichman, adjunto do Programa DST/Aids. Ele explica que as relações extraconjugais, muitas vezes, são a causa da entrada do vírus em relações estáveis. Cabe ao casal, segundo ele, estabelecer formas de prevenção e elos de confiança.

Os homossexuais têm uma prevalência alta do vírus HIV
Certo. “Ela está em torno de 10% no País”, conta Kalichman. “Não é discriminação, é uma constatação que nos mostra a necessidade de políticas públicas voltadas a este público”, completa.

A circuncisão reduz o risco de contágio do HIV
Certo. Pesquisas indicam que a circuncisão pode reduzir em cerca de 50% o risco de contágio em homens heterossexuais. Contudo, a melhor forma de prevenção ainda é o uso de preservativos.

Um beijo na boca pode transmitir HIV
Errado. Isso só vai acontecer se a pessoa estiver com sangramento considerável, pois a saliva tem várias substâncias prejudiciais ao vírus. O risco é menor de 0,1%.

O “coquetel do dia seguinte” pode impedir o contágio após exposição ao vírus
Certo. Mas nem sempre a medida é eficaz. Os antirretrovirais são usados na prevenção da transmissão vertical (mãe para filho, no nascimento) e em caso de violência sexual e de exposição de profissionais de saúde. Seu uso deve ser feito até 72 horas após a exposição.

Luana Bonone

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