Uma série de documentos publicados pelo Wikileaks mostra que a Embaixada dos Estados Unidos em Brasília acompanhou de perto as investigações sobre a morte da missionária norte-americana Dorothy Mae Stang, preocupados com “a corrupção dos policiais e com a atuação do FBI” no caso. “Devido à natureza política e à extensiva cobertura midiática do caso, o FBI vai se manter extremamente discreto”, revelou um dos despachos.
O FBI participou na primeira fase da investigação, ao lado da polícia brasileira, reunindo provas para um processo contra Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Carlos Batista nos Estados Unidos. A policia federal norte-americana chegou a entrevistar os acusados enquanto estavam sob custódia brasileira.
Os dois foram condenados por um tribunal do júri em Washington em junho de 2005. No Brasil, o último acusado, o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, só foi condenado definitivamente em abril deste ano.
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O FBI mantém um escritório em Brasília para atuar em solo nacional. Dorothy Stang foi assassinada em 12 de fevereiro de 2005 em Anapu, Pará, por defender famílias sem-terra que ocupavam um projeto de desenvolvimento sustentável em uma região marcada pela violência conduzida por grileiros de terra.
O FBI, discreto
Um despacho de 18 de fevereiro de 2005 diz que, pouco após a morte da missionária, o embaixador norte-americano John Danilovich se encontrou com o subsecretário do Itamaraty Ruy Nunes Pinto Nogueira para mostrar o interesse dos EUA no caso. Danilovich ouviu que o governo ia fazer o maior esforço possível para punir os culpados.
Pouco depois da morte de Dorothy, o advogado-geral dos EUA estudou os fatos do caso e decidiu que queria processar os assassinos nos EUA. Isso porque, segundo o FBI, o crime foi uma violação à lei norte-americana, que estabelece a culpabilidade de assassinos de cidadãos norte-americanos, mesmo em outro país. O crime tem que ser uma “coação, ou retaliação, contra o governo ou a população civil”.
A unidade extraterritorial do FBI, sediada em Miami, decidiu enviar dois agentes ao Brasil para auxiliar na investigação na semana do dia 21 de fevereiro. Segudo o despacho, o time legal da embaixada estava consultando policiais brasileiros a esse respeito.
“Devido à natureza política e à extensiva cobertura midiática do caso, o FBI vai se manter extremamente discreto”, explica Danilovich.
Policiais corruptos
A embaixada acompanhou de perto o desenrolar das investigações e conversou com testemunhas-chave sobre o andamento dos processos. Danilovich transmite com preocupação, em um documento de 22 de fevereiro, o medo de um oficial envolvido na investigação – cujo nome será preservado conforme as regras de segurança do Wikileaks – de que “a corrupção policial prejudicasse o andamento do caso”.
“Aparentemente a investigação está correndo bem, mas há sérias preocupações de que a polícia pode estar comprometida por ligações impróprias com grandes donos de terra na região que estão envolvidos em apropriação ilegal de terra e desmatamento”, diz o texto.
“Um oficial se disse ‘profundamente preocupado’ com a possibilidade de que a investigação seja manipulada pelas autoridades. Acredita-se que autoridades corruptas tenham permitido a grilagem de terra em larga escala e o desmatamento durante anos”, descreve o embaixador. Essa mesma fonte diz a ele que Dorothy era “uma pedra no sapato” dos fazendeiros e policiais.
“(O oficial) não teve papas na língua, ele nos disse que os policiais nas zonas rurais estão proximamente ligados a grandes fazendeiros e são contratados como pistoleiros para intencionalmente obstruir investigações”.
Essa fonte afirmou estar “muito preocupada com a direção da investigação, a rapidez com que a polícia encontrou os quatro suspeitos e a segurança dos que estão sob custódia”, afirmando que eles podiam ser “apagados” na prisão. Rayfran Neves teria sido ameaçado e coagido pela polícia militar.
Outra fonte, um político, corrobora esse alerta. “Em razão das preocupações de longa data sobre a eficiência, corrupção e baixa moral da PM em todo o Brasil, além de preocupações especificas sobre a atuação da PM do Pará na investigação sobre Stang, vamos monitorar proximamente o caso para ver se o caso será federalizado”, conclui o documento.
Em outras comunicações, o embaixador mantém a preocupação com o andamento ds investigações e transmite uma visão favorável à federalização do caso.
FBI interroga no Brasil
A embaixada também foi bastante atuante ao acompanhar a visita do irmão de Dorothy, David Stang, ao Brasil. Pouco depois da visita de David, em 3 de março, Danilovich envia outro telegrama no qual reclama do então ministro da Justiça Márcio Thomas Bastos.
“Estamos meio confusos com a relutância de Bastos de federalizar o caso devido ao alto envolvimento federal e a oportunidade do caso ser teste para a nova lei da federalização”, comenta ele.
No mesmo telegrama o embaixador explica que três investigadores do FBI – sendo que um deles trabalha permanentemente no Brasil – viajaram até a cena no crime e “colheram testemunhos, fotos e vídeo das autoridades
policiais brasileiras”.
“Os investigadores do FBI também interrogaram os três suspeitos atualmente sob custódia brasileira”, prossegue o telegrama. “Um deles se recusou a falar e os outros reconheceram sua participação no assassinato”. Com base nessa visita, o advogado-geral dos EUA iria apresentar caso perante o tribunal do júri.
Imprensa critica Irmã Dorothy
Em 2 de maio, Danilovich descreve o que vê como uma clara tentativa da mídia local de desmerecer Dorothy Stang. “Recentemente tem havido um esforço concertado em alguns veículos do Pará de desmerecer a Irmã Dorothy. Uma revista chamada Hoje publicada na última semana na cidade de Altamira fez críticas ácidas à freira e a integrantes do PT”, diz o documento.
“O superintendente da PF José Sales também dividiu conosco sua opinião pessoal que a Stang foi muito longe: ela uma vez procurou Sales e pediu que ele ‘retirasse os grileiros a qualquer custo’. Quando Sales respondeu que isso teria que ser feito pelos meios legais, ela respondeu que faria ‘da sua própria maneira’” descreve.
Opera Mundi
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