Tombini mantém orientação conservadora no Banco Central |
Outras alternativas
Esta medida (alta dos juros), argumenta a nota, acaba se refletindo em valorização do real, encarecimento do crédito e arrefecimento da elevação dos preços pela queda da demanda e concorrência dos produtos importados mais baratos. É, portanto, necessário pensar em outras alternativas, recomenda o órgão, que aponta a necessidade de criar uma agenda, ainda que incompleta, de debates para mudanças na política econômica.
O argumento reflete as preocupações levantadas pelas centrais sindicais, que condenaram a última elevação da Selic e lutam por taxas de juros mais civilizadas ou compatíveis com as que são praticadas no exterior.
Dívida pública
Um efeito relevante do aumento dos juros apontado pelo estudo é o aumento da dívida pública “atrelada à taxa Selic e à valorização do real.O aumento da dívida obriga o governo federal a apertar o orçamento público com corte de gastos e/ou aumento de impostos para garantir um superávit das contas públicas. O aumento do superávit (receita-despesa) é para evitar o crescimento da relação dívida/Produto Interno Bruto (PIB). O outro efeito não menos importante é a valorização da moeda nacional”.
“Após 1999”, quando foi adotado o regime de metas inflacionárias, lembra o Dieese, “toda vez que a taxa anual de inflação ameaçou ultrapassar o centro da meta, o Banco Central (BC) acionou a política monetária, na maioria das vezes elevando a taxa básica de juros”. As decisões se pautam, agora, pelo pressuposto de que o ritmo de crescimento não pode ultrapassar certos limites.
Causas da inflação
A economia brasileira passou por um processo de maior internacionalização desde os anos 1990, ampliando o grau de abertura ao exterior. Numa economia mais aberta, assinala a Nota Técnica, a elevação dos preços internacionais das commodities agrícolas e minerais (trigo, milho, soja, açúcar, petróleo, minério de ferro, entre outros) ocorrida em 2007/2008 e em 2010 é transmitida mais rapidamente para os preços internos.
Trata-se de uma inflação “importada”, que requer uma combinação de políticas para evitar o impacto sobre a inflação doméstica, políticas tarifárias e de abastecimento para mitigar a contaminação dos preços externos maiores na formação dos preços no país. Com base na evolução do ICV-Dieese, ilustrada com gráficos no estudo, o órgão que assessora o movimento sindical afirma que a elevação do patamar de inflação nos últimos meses de 2010 tem origem no aumento dos preços agrícolas in natura, destacando-se a forte alta das carnes e do feijão. Os preços do açúcar, leite, óleo de soja e álcool também contribuíram para a elevação da inflação nos últimos meses.”
Vale citar que os grupos de despesas que superaram a inflação acumulada nesses 14 anos (142,24%) foram: Alimentação, Transporte, Educação e Saúde. Os que ficaram abaixo foram: Habitação, Equipamento Doméstico, Vestuário e Despesas Pessoais. O grupo Alimentação, contudo, só superou claramente a taxa média de inflação a partir de 2007. Até então, apresentou uma evolução abaixo da média, contribuindo para “segurar” a inflação.
Salário e preços
O documento lembra que alguns países utilizam um indicador de núcleo da inflação para acionar a política de combate à elevação dos preços. O núcleo, em geral, exclui os preços de produtos agrícolas e de energia, que oscilam com mais intensidade em função de choques de oferta e movimentos especulativos. No caso brasileiro, este movimento não é diferente. A elevação do preço de um produto agrícola não é duradoura na maior parte das vezes. Preços que sobem costumam atrair investimentos na produção que ampliam a oferta e contribuem para a queda no momento seguinte.
A suposição de que os salários promovem inflação também é rebatida. Recorda-se na nota que depois de uma pequena elevação em 1986, os salários reais apresentam uma expressiva queda entre 1986 e 1992. Voltam a crescer entre 1992 e 1997. Caem novamente entre 1996 e 2003 e praticamente se estabilizam a partir de 2004. O nível atual do salário real encontra-se muito abaixo daquele observado em 1985.
Embora a situação mais favorável do mercado de trabalho nos últimos anos tenha
contribuído para a discreta elevação dos salários reais, o nível salarial no Brasil é baixo em qualquer comparação que se faça com os países desenvolvidos. Qualquer política que busque frear esse movimento de elevação recente caminha na contramão de um projeto de desenvolvimento que tem como objetivos centrais a redução da desigualdade de renda e a elevação da participação dos salários na renda nacional.
Questão estratégica
A entidade salienta que para o movimento sindical brasileiro, a questão salarial é estratégica e integra o projeto de desenvolvimento apresentado pelas Centrais Sindicais Brasileiras ao governo federal. E indaga: Qual é, então, a relação entre a elevação da inflação nos últimos meses e os salários?
O primeiro impacto da elevação da inflação é a corrosão do poder aquisitivo dos salários,
levando o movimento sindical a lutar pela reposição dessa inflação mais alta. Para os trabalhadores, há uma forte percepção do aumento do custo de vida, uma vez que a elevação de preços de alimentos essenciais (carne, feijão, soja, açúcar, leite, entre outros) atinge diretamente o “bolso” do trabalhador.
Em outra dimensão, o desafio principal é evitar que eventuais medidas que venham a ser
tomadas para combater o aumento da inflação dificultem a trajetória positiva de crescimento do emprego e dos salários. Nesse momento, o risco maior é a desaceleração da atividade econômica através da elevação dos juros e da contração do crédito. Quanto mais forte o desaquecimento da economia, maiores as dificuldades para que o movimento sindical continue conquistando aumentos reais de salários.
Crescimento e valorização do trabalho
Nos últimos anos, especialmente a partir de 2004, a economia brasileira cresceu num ritmo
mais intenso que o das duas décadas anteriores. A taxa média de crescimento dobrou em relação ao período anterior. Esse resultado esteve apoiado no aumento do valor real do salário mínimo, nos programas de transferência de renda para os mais pobres e na expansão do crédito. Nesses anos houve permanente elevação do consumo das famílias e da taxa de investimento (formação bruta de capital). Contudo, a sustentação do crescimento vai depender, em grande medida, da contínua elevação dos salários reais, do consumo e do investimento doméstico.
Tudo indica que a economia brasileira pode continuar crescendo a taxas altas nos próximos
anos. Assim, o combate à inflação nos próximos meses deve incluir medidas que não interrompam essa trajetória, como ocorreu em 2005, quando a taxa de crescimento caiu de 5,7%, em 2004, para 3,2% em 2005.
Trata-se de aproveitar a oportunidade para aprofundar o debate público de forma a contribuir para a construção de medidas inovadoras no combate à inflação, preservando o crescimento econômico e a redução da desigualdade de renda pela elevação do emprego e dos salários.
Rentismo
Assim, se o combate à inflação no início de 2011 for feito repetindo a cartilha de elevação
da Selic, vão ser ampliados os riscos de desaquecimento econômico e de valorização do real. E também os riscos de desindustrialização e de exportação de empregos.
Reforma do sistema financeiro e controle do fluxo de capitais em contraposição à política monetária conservadora do BC são duas das propostas elencadas no documento, que conclui: Políticas de abastecimento e mudanças nos mecanismos de financiamento de curto prazo da dívida pública para reduzir os juros podem iniciar um debate público que altere os rumos da política econômica no combate à inflação, especialmente quando sua elevação decorre de fatores conjunturais como choques de oferta e/ou especulativos, internos ou externos, como o que se observa nos últimos meses. Em outras palavras, é uma oportunidade de discutir um dos traços mais perversos que impedem uma aceleração do crescimento no Brasil: o “rentismo” que beneficia apenas aqueles que estão no topo da pirâmide de renda.
Dieese