Osama teve importância reduzida em nova conjuntura muçulmana |
A verdade é que nada aconteceu exatamente assim, os EUA nada fizeram sem ajuda dos amigos e, ajuda pela qual, de fato, foram obrigados a esperar muito.
Em situações normais, não gosto de especular sobre detalhes operacionais. Consultar fontes sobre assuntos secretos, mesmo as melhores fontes, é como dizer “Pinóquio, minta para mim!” Mas algumas das ideias que alinho aqui são óbvias e assim continuariam, mesmo que não nos faltassem todos os dados. É praticamente impossível não concluir que bin Laden foi assassinado essa semana porque os vários que conheciam seu endereço decidiram que as autoridades dos EUA seriam informadas nesse exato momento. O que mudou? A resposta mais simples é: mudou tudo. A instabilidade do mundo muçulmano alcançou tais níveis que bin Laden converteu-se em redundância.
A derrubada do presidente egípcio Hosni Mubarak e a iminente derrubada do presidente Ali Abdulá Salé do Iêmen, além da instabilidade que se espalha por todo o mundo árabe, alteraram a posição relativa da al-Qaeda. Do ponto de vista privilegiado de Riad (capital da Arábia Saudita), bin Laden passou a ser um incômodo; sempre foi considerado uma metralhadora giratória enlouquecida, mas jamais representou qualquer ameaça à posição estratégica da Arábia Saudita.
A família real saudita, já há muito tempo, optou por autorizar alguns dos seus membros com simpatias mais radicais a garantir apoio secreto a bin Laden, em troca do acordo pelo qual a al-Qaeda deixaria em paz a Península Arábica. Como se leu em telegrama publicado por WikiLeaks, a secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton escreveu, em memorando, que “É preciso fazer mais, porque a Arábia Saudita continua a garantir apoio financeiro essencial à al-Qaida, aos Talibãs, ao LeT [Lashkar-e-Toiba] e a outros grupos terroristas.”
Com a desestabilização do Iêmen, esse modus vivendi tornou-se obsoleto. Como viu-se claramente no tenso comunicado diplomático feito pelo secretário de Defesa, do resultado de seu encontro com o rei Abdullah dia 6 de abril, os sauditas estão terrivelmente preocupados com a desestabilização do Iêmen pela al-Qaida aliada ao Irã.
Na guerra civil que prossegue em forno baixo no Iêmen – praticamente amostra em pequena escala da guerra entre Riad e Teerã – a al-Qaida está atuando como aliada do Irã. Não foi grave incômodo para Riad, enquanto o governo de Salé aliado dos sauditas permanecesse intacto. Mas agora se aproxima o inevitável colapso do governo de Salé. E esse colapso pode abrir espaço para que o Irã se implante mais firmemente na região da fronteira com a Arábia Saudita. (…)
Em resumo, se, antes, a al-Qaida recebia financiamento de ambos, sauditas e iranianos, nas atuais circunstâncias a al-Qaida passou a ser mais importante para os interesses do Irã, do que para os interesses dos sauditas. Apoiar terroristas é rua de duas vias: exatamente porque a “Arábia Saudita continua a garantir apoio financeiro essencial à al-Qaida”, a inteligência saudita acabou por reunir alguma informação aproveitável sobre o grupo ao qual entrega tanto dinheiro.
Os sauditas, além do mais, têm muito interesse em por fim aos braços terroristas aliados dos militares paquistaneses. À medida que a guerra fria entre sauditas e iranianos esquenta cada vez mais, Islamabad pode ir-se tornando mais interessante para Riad, como fonte de apoio militar. O jornal Asia Times Online já informou que a Guarda Nacional do Barein já começou a recrutar mercenários paquistaneses (ver “Paquistão, pronto para defender os sunitas, no mundo árabe”, Said Salim Shazad, Asia Times Online, 2/4/2011, traduzido).
Há também especulações de que a Arábia Saudita estaria a um passo de pedir ajuda do exército paquistanês; e Riad estaria disposta a financiar pesquisa de tecnologia nuclear no Paquistão, como meio para contrabalançar o programa nuclear iraniano. E a quem mais os sauditas poderiam pedira apoio no caso de guerra com o Irã? Os sauditas não confiam nos EUA. Já se sabe que o rei Abdullah enfureceu-se quando Obama abandonou Mubarak, aliado histórico dos EUA. E os sauditas tampouco confiam nos turcos, hoje convertidos em “risco” para a região, do ponto de vista dos sauditas.
A capacidade militar dos paquistaneses e a urgente carência de dinheiro tornou o poder sunita mais maleável aos interesses dos sauditas; mais uma razão para prosseguir a faxina e tirar de campo elementos pouco confiáveis, como bin Laden.
Por tudo isso, e por irônico que pareça, bin Laden não passa, mesmo, de mais uma baixa no despertar árabe. Podemos, no máximo, tentar adivinhar como foram seus últimos momentos e é provável que a verdade jamais venha à tona. Mas pode-se concluir com razoável certeza que bin Laden morreu esmagado entre as placas tectônicas que hoje se movem em todo o mundo muçulmano.
Essa conclusão torna ainda mais sem sentido a autolouvação, a autocongratulação dos norte-americanos, festejando um assassinato. As forças especiais dos EUA talvez sejam agentes, no máximo, dos tiros que assassinaram bin Laden. Mas a causa eficiente da morte é o grande, importante, crucialmente estratégico levante árabe de 2011 – que os EUA absolutamente não entendem e ao qual não estão preparados para responder.