O que chama mesmo a atenção é como alguns agentes da comunicação desenvolveram uma fórmula inescrupulosa para delinear cenários elogiosos à Dilma e seu governo
Luis Soares, Pragmatismo Político
Do novo formato apresentado pelo programa Roda-Viva da Tv Cultura, merecem destaque até agora a ausência de Marília Gabriela, que livrou o telespectador de chavões simplórios e recheados de moralismos forçosos, como também o sumiço de Augusto Nunes, um jornalista de traços comuns, munido de um rancor indecifrável à cor vermelha e que fracassadamente se pretende analista socioeconômico, ou talvez intelectual de projeção, que seja.
De resto, os joviais cedidos por Folha, Estadão e congêneres não fedem, nem cheiram – salvo minguadas exceções. Bajulam ou contrariam de acordo com as circunstâncias de pauta e do nome do entrevistado.
Jô Soares foi o convidado sabatinado no programa exibido na última segunda-feira (7/11). Bajulado, e não poderia ser de outro modo, protagonizou uma entrevista enfadonha e fugiu de comprometer-se às perguntas mais capciosas. Dedicou a maioria do tempo a cuidar de expor o seu novo livro e abordar aspectos relacionados a sua carreira no teatro.
Mário Sérgio Conti, único a tentar tirar-lhe de posição confortável, mencionou o episódio em que Jô protestou publicamente, ao vivo, contra a censura que a Rede Globo (ver aqui), à época de sua migração para o SBT, impusera-lhe. Jô desconversou, disse tratar-se de caso isolado, individual e águas passadas, como que rasgando o então respeitável manifesto.
Daí, entre assuntos de ordem familiar e informalidades que não valem menção, debandam a falar sobre a ascensão da mulher exercendo papéis de destaque e liderança na contemporaneidade. Em um dado momento, naturalmente, a jornalista Cristina Padiglione, do Estadão, deseja ouvir de Jô Soares suas impressões acerca de Dilma Rousseff, a primeira mulher à frente do comando da nação. Ao que responde o apresentador global:
Acho ótimo uma mulher na Presidência e tenho sentido um outro nível de empenho. Mas a ‘presidenta’, como gosta de ser chamada, parece ser mal assessorada. Por exemplo, não se pode usar um lema ‘País rico é país sem pobreza’ (…) a frase, fora de contexto, fica uma bobagem. O lema é anunciado em todas as ações do governo, inclusive antes da (minha) peça, porque há subvenções, inclusive, do governo do estado e do governo federal, e termina com o locutor anunciando os patrocínios e dizendo, ‘País rico é país sem pobreza’.
É o primeiro tiro da peça, diz Jô, que prossegue, de modo a gesticular e representar as gargalhadas entusiasmadas da plateia quando escutam o slogan do governo federal antes da peça.
Não sei se é anormal não encontrar graça no episódio supracitado, mas certamente é anormal interpretar o slogan do governo no sentido literário. Nem o sujeito mais desatento o faria. O lema do governo federal é efetivo exatamente porque propõe o alerta de não mais incorrermos no erro de crescer economicamente sem repartir com menos disparidade as fatias do bolo. Não repetir as oportunidades em que o Brasil crescia sem resolver questões estruturais, permitindo que o desenvolvimento não fosse acompanhado da justa e correta distribuição de renda. Nunca é demais lembrar que, quando eleita, Dilma destacou a erradicação da miséria como meta prioritária do plano de governo.
Na verdade, é secundário o que pensa Jô Soares a respeito do slogan do governo que patrocina os seus espetáculos. O que chama mesmo a atenção é como alguns agentes da comunicação desenvolveram uma fórmula inescrupulosa para delinear cenários elogiosos à Dilma e seu governo com dúbias intenções.
Para elogiar o atual governo, primeiro é necessário realçar a suposta superioridade deste em relação ao governo Lula, mas, logo em seguida, fazer um parêntese de caráter repulsivo. Usando uma linguagem bastante simplificada, é como na frase a seguir: “o governo Dilma é mais empenhado que o anterior, embora ainda repleto de incompetentes“.
Não, Jô, colegas da comunicação de massa e devotos afins, o governo Dilma não é melhor, nem pior, que o governo Lula. Nenhum conservador ou progressista mais inteligente deve desconhecer que no Brasil, devido às bases historicamente injustas, e onde os direitos adquiridos têm que ser democraticamente respeitados, a continuidade administrativa é o caminho mais aceitável.
Para o Brasil ser um país de todos – lema do governo Lula –, é imprescindível almejar um país sem pobreza, sem miséria – slogan do governo Dilma.
Clique aqui para assistir a íntegra da entrevista
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