Não bastasse a inconstitucionalidade do projeto, que contraria os princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988, a proposta vai contra todos os tratados internacionais de Direitos Humanos, que também têm como objetivo fundamental o direito à saúde, a não discriminação e a dignidade da pessoa humana
Na opinião de Campos, o conselho extrapolou seu poder ao “restringir o trabalho dos profissionais e o direito da pessoa de receber orientação profissional”. A notícia da proposta gerou resposta contundente do deputado federal Jean Wyllys (PSol-RJ), que publicou em seu site um artigo criticando as pretensões de João Campos. “O argumento de que a homossexualidade pode ser ‘curada’ é tão absurdo como seria dizer que a heterossexualidade pode ser ‘curada’ e é usado sem qualquer tipo de embasamento teórico ou científico e sempre por fanáticos religiosos que tem com o objetivo confundir a população com suas charlatanices”, escreveu Wyllys.
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Leia a íntegra do artigo do deputado Jean Wyllys abaixo:
A intolerância dos fundamentalistas da bancada evangélica se mostra cada vez mais ameaçadora e passível de qualquer manobra para desviar a atenção da sociedade, com novas cortinas de fumaças, dos escândalos que envolvem alguns dos seus integrantes. Desta vez é o Projeto de Decreto de Lei (PDL) do deputado João Campos (PSDB/GO), líder da Frente Parlamentar Evangélica, que busca sustar a aplicação do parágrafo único do Art. 3º e o Art. 4º, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23 de Março de 1999, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual. A resolução do CFP que o deputado Campos quer derrubar por lei proíbe as mal chamadas “terapias” que prometem mudar a orientação sexual das pessoas, transformando magicamente gays em heterossexuais, como se isso fosse possível — aliás, como se isso fosse necessário.
Não bastasse a inconstitucionalidade do projeto, que contraria os princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988 (art. 1º, proteção da dignidade da pessoa humana; art. 3º promoção do bem de todos sem discriminação ou preconceito; art. 196º, direito à saúde, entre outros), a proposta vai contra todos os tratados internacionais de Direitos Humanos, que também têm como objetivo fundamental o direito à saúde, a não discriminação e a dignidade da pessoa humana, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, entre outros.
Com essa proposta, o deputado, por convicções puramente religiosas, se considera no direito não só de ir contra os direitos humanos de milhões de cidadãos e cidadãs brasileiras, mas também de desconstruir um ponto pacífico entre toda uma comunidade científica: nem a homossexualidade, nem a heterossexualidade, e nem a bissexualidade são doenças, e sim uma forma natural de desenvolvimento sexual. Nenhuma é melhor ou pior ou mais ou menos saudável do que as outras. São simplesmente diferentes e não há nenhuma dissidência quanto à isso. O argumento de que a homossexualidade pode ser “curada” é tão absurdo como seria dizer que a heterossexualidade pode ser “curada” e é usado sem qualquer tipo de embasamento teórico ou científico e sempre por fanáticos religiosos que tem com o objetivo confundir a população com suas charlatanices.
O PDL do deputado – o mesmo da PEC n° 99 de 2011, ou a “PEC da Teocracia” que pretende que as “associações religiosas” possam “propor ação de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade de leis ou atos normativos, perante a Constituição Federal” – é, no mínimo, criminoso, e vai também contra os direitos à saúde da população, pois sabemos que essas supostas terapias de “cura gay” nada mais são do que mecanismos de tortura que produzem efeitos psíquicos e físicos altamente danosos, que vão da destruição da auto-estima de um ser humano, até o suicídio de muitos jovens – como ocorreu recentemente nos Estados Unidos, onde mais um adolescente gay, de 14 anos, tirou sua própria vida apos ter sofrido assedio homofóbico na escola.
A tragédia ocorreu no Tennessee, estado dos EUA cujo Senado votava, há um ano, um projeto de lei que proibia professores de mencionar a homossexualidade em sala de aula e logo após outro adolescente gay do Tennessee, Jacob Rogers, tirar sua própria vida. Alguns dias antes, mais dois jovens norte-americanos também se suicidaram, depois de anos de sofrimento: Jeffrey Fehr, 18, e Eric James Borges, de 19 (este último cresceu em uma família fundamentalista cristã que inclusive tentou exorcizá-lo).
Essas supostas terapias, repudiadas unanimemente pela comunidade científica internacional, constituem um grave perigo para a saúde pública. Adolescentes e jovens são obrigados, muitas vezes pela própria família, a tentar mudar o que não pode ser mudado, são pressionados para isso por estes grupos que promoven as mal chamadas “terapias de reversão da homossexualidade” e acabam com graves trastornos psíquicos ou se suicidam. Os responsáveis desses crimes deveriam ser punidos, mas o deputado Campos propõe um amparo legal para que, além de fugir da responsabilidade penal pelos seus atos, possam dizer que a lei os protege e que suas atividades criminosas são lícitas.
Nos EUA, um dos mais conhecidos grupos que dizem “curar” a homossexualidade é Exodus. Mas os “ex gays” de Exodus, mais tarde ou mais cedo, acabam sendo “ex ex gays”, porque a orientação sexual não pode ser mudada ou escolhida a vontade (sobre isso também há absoluto consenso na comunidade científica). Varios ex líderes do grupo pediram públicamente perdão por seus crimes alguns anos atrás: “Peço desculpas a aqueles que acreditaram na minha mensagem. Tenho ouvido nos últimos tempos numerosas histórias de abuso e suicídio de homens e mulheres que não puderam mudar sua orientação sexual, apesar do que Exodus e outros ministérios lhes dizeram. Uma participante que conheci caiu numa profunda depressão e preferiu saltar de uma ponte. Naquele momento, disseram-me que não era minha culpa, mas meu coração não acreditou”, declarou numa coletiva de imprensa Darlene Bogle, ex liderança da seita, junto a outros colegas que se arrependeram com ela.
Há uma preocupante confusão na sociedade, incitada por esse fundamentalismo religioso, que precisa ser esclarecida antes que a saúde física e psíquica de mais jovens seja afetada: ao contrario da religião, a orientação sexual de um indivíduo não é uma opção. Se o Estado é laico – como o é o brasileiro desde 1980 – questões de cunho moral e místico não podem ser parâmetro nem para a elaboração das normas nem para o seu controle. Valores espirituais não podem ser impostos normativamente ao conjunto da população.
Jean Wyllys, deputado federal
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