14 dicas para se tornar um colunista latino-americano de sucesso no El País
Se você é membro dessa classe incompreendida dos intelectuais latino-americanos e deseja expor suas ideias nesse baluarte do progressismo peninsular que é El País, siga estas instruções para que seu artigo tenha sucesso.
Daniel Plotkin, tradução de Idelber Avelar
1. Toda a sua análise deve se basear nos conceitos de caudilhismo e populismo. Em última instância, estes conceitos explicam a história da América Latina desde o século XIX, sem ter que entrar em complexidades históricas que entediam o leitor. A história dos nossos países não mudou desde a época da Independência.
2. Mencione a pobreza e a fome, produtos do caudilhismo e do populismo. É bom mostrar um pouco da sensibilidade do pensador comprometido com a realidade social. Mas esclareça que a pobreza e a fome são culpa exclusiva dos nossos povos, evitando usar palavras desagradáveis do tipo “colonialismo”, “imperialismo” ou “saqueio dos recursos naturais”. Menos ainda, não tenha o mau gosto de se referir à escravidão ou à exploração das comunidades indígenas.
3. Não se esqueça de falar da corrupção. E de esclarecer que a corrupção em nossos países é produto da fome e da pobreza, que são produto do caudilhismo e do populismo. Tenha a delicadeza de não mencionar que são as companhias multinacionais (incluídas as espanholas) as que pagam suculentos subornos para obter benefícios impensáveis em seus países de origem. Explique aos seus leitores que a corrupção é sempre culpa da classe política latino-americana.
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4. Insista que as instituições não funcionam, produto da corrupção que é produto da fome e da pobreza, que são produto do caudilhismo e do populismo. As instituições latino-americanas estão em constante crise e nossos países têm democracias limitadas. Use anedotas insignificantes do ponto de vista estatístico, mas que ressoem na mente de seu leitor. Por exemplo, conte-lhes como é difícil obter algum certificado num Ministério qualquer. Ou como é fácil subornar um agente alfandegário. Mesmo que você não tenha jamais feito nenhuma das duas coisas.
5. Lembre a seus leitores que os governantes latino-americanos só procuram se perpetuar no poder – o que demonstra o caudilhismo e o populismo que geram instituições falidas e corrupção. Não importa se na Espanha o chefe de estado é um monarca hereditário que governa há 37 anos e foi nomeado por um ditador que governou o país quase 40 anos. Não mencione sequer que Felipe González governou durante 14 anos com 5 mandatos sucessivos. Isso é muito diferente de um presidente latino-americano que pretende ter 3 mandatos por 12 anos. Neste último caso, estamos ante uma clara tentativa de perpetuar-se no poder. Na Espanha, não, porque as instituições funcionam.
6. Não se esqueça de temperar tudo isso com alguma referência a uma palestra sua em algum fórum internacional, fora dos países latino-americanos cheios de caudilhismo e populismo. A apresentação de um paper numa universidade norte-americana é suficiente para demonstrar que você é diferente do resto dos pensadores latino-americanos que só escrevem na mídia local. Alternativamente, você pode mencionar alguma bate-papo num café que você teve há cinco anos com algum escritor espanhol da moda. Se algum livro seu foi publicado pela Alfaguara ou Crítica, esclareça-o de passagem no primeiro parágrafo. Seu sucesso estará garantido.
7. Use alguma citação de um latino-americano ilustrado, como Borges, Cortázar ou García Márquez. Roberto Bolaño também serve.
8. Lembre-se que o Brasil não existe, salvo para destacar algumas políticas do governo Lula.
9. Fidel Castro é mau, muito mau. Mesmo que, claro, diga que a Revolução Cubana teve alguns sucessos menores nos campos da saúde e da educação.
10. Chávez também é mau, muito mau. E sem sucessos menores.
11. Os governos progressistas latino-americanos querem destruir a imprensa independente, como consequência de sua genética caudilhista e populista. Não como a esquerda inteligente da Alan García ou o centro moderado de Piñera ou Santos.
12. A imprensa privada latino-americana sempre é independente. Os monopólios ou oligopólios midiáticos não existem.
13. A América Latina ainda está em transição democrática, como consequência do caudilhismo e do populismo que ainda imperam. A Espanha já a superou, pela maturidade da sociedade espanhola e a inteligência de sua classe dirigente.
14. Para finalizar, esclareça que esta situação gera angústia e desconforto, e que seu refúgio está no pensamento crítico de alguns intelectuais que, como você, não foram comprados pelo poder corrupto ou pelas ideologias acabadas imperantes em nossos países.
Seguindo estes conselhos, o seu artigo será lido com interesse pelos leitores de El País. Você conseguirá confirmar-lhes o que eles já pensam mas não podem dizer abertamente porque isso iria contra aquilo que eles acreditam ser suas convicções de esquerda. Você também obterá uma suculenta remuneração em euros que não deverá depositar em seu país, já que a qualquer momento ela poderá ser roubada pelos governos corruptos, produtos da fome e da pobreza, produtos do caudilhismo e do populismo.