É a primeira vez que um(a) atleta em atividade, de qualquer modalidade, protesta contra a forte influência das emissoras de televisão, em especial a das Organizações Globo, na definição dos horários das partidas
Um modesto e inesperado protesto marcou a vitória do time de vôlei feminino do Rio de Janeiro, que eu me recuso a chamar pelo nome do patrocinador, contra o time do Mackenzie, de Belo Horizonte, no ginásio do Marcanãzinho, na noite desta terça-feira (19/3), por 3 X 0 (parciais de 25 X 15, 25 X 21 e 25 X 16). Ao final do jogo, a levantadora e capitã do Rio Fernanda Venturini, uma das atletas mais vitoriosas do voleibol brasileiro e mundial, pegou o microfone para agradecer a presença da torcida e protestar contra o horário do jogo, que teve início após às 21h e terminou por volta das 22h30. “Eu queria agradecer a presença da torcida. Mas ninguém merece o SporTV por ter marcado o jogo para às 9h15 da noite numa segunda-feira”, disse a levantadora.
Leia mais
- ‘Negras de merda, voltem para Cuba’. Atletas sofrem racismo em Santa Catarina
- Jornal Nacional omite que seu maior patrocinador lidera ranking de reclamações do Procon
Foi a primeira vez que vi, ao vivo, um atleta em atividade, de qualquer modalidade, protestar contra a forte influencia das emissoras de televisão, em especial as das Organizações Globo, na definição dos horários das partidas. E mais: o SporTV ainda transmitia ao vivo da quadra uma entrevista com uma companheira de time de Fernanda quando a capitã pegou o microfone para protestar contra o canal esportivo. Seria muito bom se os telespectadores do SporTV pudessem ouvir o protesto, que se converteria numa espécie de “contrapropaganda” (quando a estrutura de grandes organizações é usada por manifestantes para protestar contra ela).
Problema antigo
Mas, infelizmente, além de nenhum telespectador, poucos torcedores no ginásio devem ter ouvido o protesto da atleta, já que a grande maioria queria mesmo era voltar correndo pra casa (uma das consequências dos jogos tão tarde durante a semana). Mesmo insatisfeitos com os horários das partidas, seja de vôlei, futebol ou qualquer outro esporte, os torcedores têm dificuldade de entender a origem do problema e a sua relação com o monopólio das comunicações e os princípios meramente capitalistas que regem este setor no Brasil.
Desde que a TV Bandeirantes deixou de ser “o canal do esporte”, as Organizações Globo, aí incluindo a “cabeça de rede” TV Globo, suas afiliadas e o canal pago SporTV, monopoliza as transmissões esportivas ao vivo no Brasil. Tanto que a TV Globo costuma adquirir direitos de transmissão de competições inteiras para transmitir apenas os jogos finais, repassando os direitos a outros canais do grupo ou revendendo-os a outras emissoras. É assim com a Liga dos Campeões da Europa, considerada a mais importante competição de clubes de futebol do mundo, e com a Superliga Nacional de Vôlei, uma das mais disputadas do planeta, só para ficar em dois exemplos. E mesmo quando a TV Globo decide transmitir toda a competição, acaba oferecendo apenas um jogo por rodada e definindo unilateralmente o dia e o horário deste jogo, o que fez com que algumas partidas de quarta-feira passassem a terminar após a meia-noite (algo completamente inviável para quem depende de transporte público e trabalha cedo no dia seguinte e perigoso para todos que vivem nos grandes e violentos centros urbanos do país).
Com a inviabilidade de ir aos jogos e as poucas opções na TV aberta, o torcedor é praticamente obrigado a contratar um serviço de TV pago, submetendo-se a uma “genial” jogada comercial, digna dos “Gates”, “Jobs” e “Zuckerbergs” do nosso tempo. O “genial”, no caso, consiste no fato de que tanto a emissora de TV (uma concessão pública, sempre é bom lembrar) que adquire os direitos de transmissão e usa o pouco que transmite como propaganda da maior parte que não transmite, quanto as operadoras líderes nos serviços de TV por satélite (Sky) e por cabo (Net), o canal esportivo líder de audiência (SporTV) e os canais esportivos do chamado “Pay Per View” (Premier Futebol Clube, ou apenas PFC) pertencem à mesma família.
Alternativas ou mais do mesmo?
As poucas tentativas de quebrar este monopólio não foram para frente por pressão das próprias Organizações Globo e de seus parceiros políticos e empresariais, mas, a bem da verdade, se tivessem sido efetivadas, não significariam uma real mudança no estado das coisas. Quando o Clube dos Treze, entidade que salvou o futebol brasileiro das lambanças da CBF em 1987 mas que se reduziu a negociadora, em nome dos clubes, dos direitos de transmissão dos jogos do Brasileirão, decidiu promover uma nova licitação para 2012, não renovando o contrato com a TV Globo, logo apareceram alguns concorrentes da família Marinho. Eram nada menos que outras famílias e grandes empresários, como os que controlam as redes Bandeirantes, Record e Rede TV. Já no episódio mais recente, quando o canal pago Fox Sports, do grupo estrangeiro News Corporation, começou a operar no Brasil com a exclusividade na transmissão dos jogos da Taça Libertadores, a mais importante competição de clubes de futebol das américas, muitos não enxergaram que a mudança era, na verdade, de um monopólio nacional da família Marinho por um monopólio mundial do magnata Rupert Murdoch, dono do News Corporation.
De qualquer forma, a pluralidade, a possibilidade de mudança nos horários dos jogos e, admitamos, um pequeno abalo no “império global”, já seriam pontos positivos pelo menos para os torcedores e telespectadores, mas quem sabe também para os ativistas pela democratização das comunicações. No entanto, as Organizações Globo usaram os clubes para enterrar a licitação do Clube dos Treze e aproveitaram a desregulamentação quase total dos serviços de TV paga para impedir a inclusão do canal Fox Sports na programação das operadoras líderes Sky e Net (pelo menos até poucos dias atrás, pois já há notícias circulando na internet de que teria havido um acordo entre as empresas. A conferir.).
Por razões óbvias, os capitalistas das comunicações continuarão se movimentando para impedir o êxito de qualquer iniciativa que tenha como objetivo diminuir o poder do capital e democratizar o acesso ao espectro eletromagnético e aos cabos de fibra ótica. Pelo menos enquanto a sociedade não conseguir pressionar o governo e o Congresso a aprovarem um novo marco regulatório das comunicações, que acabe ou, pelo menos, diminua o monopólio e o oligopólio no setor e dê espaço para novos canais, novos atores sociais e novas experiências na televisão brasileira. Se isso acontecer, ninguém se lembrará do modesto e inesperado protesto da jogadora de vôlei Fernanda Venturini, mas seu desabafo não terá sido em vão. Enquanto isso, seguimos nos perguntando: alguém merece o SporTV?