"José Serra odeia ser prefeito", já dizia seu próprio secretário Walter Feldman
Serra deixa claro que escolherá interlocutores especiais na mídia para dar seus recados - e, se preciso for, não deverá hesitar em barrar perguntas que lhe incomodem, como já fez em suas duas últimas campanhas presidenciais. Você pergunta, ele vira para o outro lado e diz: "Essa pergunta eu não quero, é provocação". Ou: "Para onde você trabalha?"
Nada específico a declarar. Já ficou clara, desde a primeira hora, a estratégia do tucano José Serra para sua campanha à Prefeitura de São Paulo. Em silêncio, recusando de saída qualquer debate interno no PSDB, escolhendo a dedo interlocutores confiáveis na mídia e sem intenção manifesta de apresentar algum tipo de programa de governo em detalhes, Serra pretende passar incólume sobre questões que ele julga comezinhas. O patamar em que o candidato quer situar a peleja é preferencialmente o nacional, o que irá direcionar suas declarações muito mais a críticas à política macroeconômica e ao PT do que para soluções a respeito da crescente poluição atmosférica na maior capital do país ou a acelerada deterioração das vias públicas. Vai ser algo como Brasil 8 X São Paulo 2.
Será apenas na televisão, quando contará com os recursos de fantasia eletrônica que serão feitos pela produtora GW – sua parceira permanente – para embalar um arremedo de programa de governo, que Serra poderá se prestar, enfim, a revelar algumas pinceladas do que acha certo fazer com São Paulo – e, ainda assim, sem qualquer garantia de que venha a executar o que prometeu, quando estiver no cargo.
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Depois de sepultar a ideia de qualquer debate programático e político no PSDB antes das prévias partidárias, Serra não tem a menor intenção de proporcionar entrevistas coletivas ou ceder grande espaços de sua agenda à imprensa. Ele poderá escolher, como é seu padrão, interlocutores especiais na mídia para dar seus recados – e, se preciso for, não deverá hesitar em barrar perguntas que lhe incomodem, durante momentos com profissionais não alinhados, como já fez em suas duas últimas campanhas presidenciais. Chega a ser engraçado. Você pergunta, ele vira para o outro lado e diz: “Essa pergunta eu não quero, é provocação”. Um Armando Falcão pronto e acabado!
“Você sabe, Serra não gosta de ser prefeito. Esse negócio de muita pressão popular, entidades organizadas, os problemas nos bairros, isso não é do feitio dele”, dizia, num rápido deslocamento de carro oficial pela avenida 23 de Maio, o então secretário de Subprefeituras, Walter Feldman, no ano de 2006, quando Serra era prefeito. Hoje, o mesmo Feldman acaba de ser escalado para fazer parte da cúpula da campanha serrista.
Os tucanos, àquela altura, estavam empenhados em criar um clima na opinião pública para Serra poder rasgar a promessa passada em cartório de não deixar a Prefeitura para concorrer ao governo do Estado. Era adequado, portanto, dizer que ele estava enfadado do cargo, mas com uma superdisposição de ser governador, isso sim!
Hoje, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já avisa que Serra tem, sim, todo o direito de, ao chegar à Prefeitura, objetivar outra vez o Planalto. Outro forte sinal de que as questões da cidade não estarão no foco do candidato, com a mira voltada para o alvo mais alto.
“Serra erra. O eleitor quer discutir a cidade”, irrita-se um assessor tucano que tangencia o fechado círculo de poder em torno do candidato. Para esta fonte, a declaração do candidato segundo a qual será um “sonho” ser prefeito de São Paulo foi feita sob encomenda dos que lhe cobram uma postura menos distante do dia a dia da cidade.
Lá no comando serrista, porém, a certeza é a de que a estratégia de “nada específico a declarar” é mais que acertada. Primeiro, porque já deu certo. Com sua determinação de só enxergar “incúria”, como gosta de dizer, na estrutura de poder que pretende tomar do adversário – foi assim praticamente todo o tempo da campanha municipal de 2004 em relação à gestão da então prefeita Marta Suplicy -, Serra se absteve de fazer, naquela eleição, propostas objetivas para a cidade. Hoje, como o prefeito é seu aliado, discutir na campanha local a agenda nacional é uma alternativa e tanto, que o poupa de atacar Gilberto Kassab, de quem precisa, e, também, de defendê-lo acentuadamente, ele Kassab que tem sua popularidade em baixa. Os permanentes, até aqui, 3% do pré-candidato do PT, Fernando Haddad, igualmente reforçam essa linha de ação. Como anti-PT, Serra já subiu 9 pontos porcentuais no Datafolha, que não registrou, em seu último levantamento, publicado no domingo 4, nenhum reconhecimento do público que Haddad é o pró-PT.
Além de ser antagônico ao governo federal, a postura discreta em público, que contrasta com suas tiradas de humor duvidoso a jornalistas, especialmente mulheres, nos bastidores, aliada à fama de economista sabichão, compõem o resto do figurino serrista talhado à classe média conservadora que deve, ainda este ano, decidir a eleição paulistana. Tem gente na campanha de Serra, e não pouca, já dizendo que nunca terá sido tão fácil.
Marco Damiani, Brasil 247