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Estudantes da UNILA são humilhados em ação policial e exigem justiça

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Vídeo revela que estudantes foram espancados. A ausência de policial feminina não impediu que mulheres fossem abordadas com violência. Indefesas, meninas foram arrastadas e golpeadas. Num ato de delinquência de um dos policiais, uma jovem foi chutada várias vezes quando se encontrava deitada cercada por estilhaços de vidro. Três disparos foram efetuados

Por Mariana Serafini*

Na madrugada do último sábado (02) para domingo, cerca de 40 alunos da Universidade Federal de Integração Latino Americana – Unila – comemoravam o aniversário de um colega no pátio de uma das moradias, localizada na região do bairro Polo Centro, quando foram abordados por policiais militares devido a uma denúncia de perturbação da ordem.

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Confira o que ocorreu no vídeo abaixo, seguido de reportagem em escrito.

“Era mais ou menos meia-noite e meia quando os policiais chegaram querendo levar o representante da festa preso, nós afirmamos que não tinha um representante, que não há hierarquia na moradia”, afirmou Jessé Rafael Neri Santos, 18, estudante de Letras.

A ação policial, que segundo os alunos foi truculenta, levou oito estudantes para a delegacia e dois foram autuados por perturbação da ordem e desacato a autoridade, o aluno de Desenvolvimento Rural e Segurança Alimentar, Leonardo Da Silva Lopes, 24; e o venezuelano Vicente Giardina, 21, que estuda Cinema.

A viatura presente na moradia solicitou reforço policial e, segundo os estudantes entrevistados, em poucos minutos a frente da moradia tinha mais cinco viaturas, sendo uma da Tropa de Choque. “Os dois colegas que estavam lá fora conversando com os policiais voltaram para dentro do hotel e quando tentamos fechar a porta um policial impediu e daí eles invadiram o hall, nesse momento já começaram a bater em várias pessoas e arrastar alguns alunos para fora”.

Quatro dias depois os estilhaços de vidro ainda estão na calçada em frente a moradia. Foto: Mariana Serafini

Na versão dos estudantes, por conta da força policial a porta de vidro do hotel foi quebrada e mesmo com estilhaços, os policiais bateram e arrastaram alunos até as viaturas. “Eles batiam com cassetete, davam chutes, não importava se era homem ou menina”, afirma Jessé.

Leonardo S. Lopes, que foi um dos autuados, teve várias lesões pelo corpo e duas fraturas, de acordo com quem presenciou a cena, ele foi um dos estudantes que mais apanhou.

A estudante de Geografia, Agustina Cola, 20, foi a única mulher detida, ela disse ter sofrido pressão psicológica e se sentiu ameaçada em vários momentos. “Eles simplesmente me jogaram na parte de trás do carro [camburão], em momento algum me explicaram o que estava acontecendo ou tentaram me acalmar, eu fiquei muito assustada com tudo isso”.

Agustina saiu do Uruguai há dois anos para estudar na Unila e desde então tem gostado muito do curso, mas está em dúvida se vai continuar estudando. Ela se preocupa, inclusive, com a repercussão que esta ação terá no restante da América Latina. “Eu não sei se vou continuar estudando porque isso passou dos limites, hoje eu não me sinto segura aqui em casa”, disse.

O venezuelano Vicente Giardina, que também foi autuado disse que sofreu pressão psicológica ao chegar na delegacia, ele e Leonardo S. Lopes, foram mantidos em uma sala separada dos outros seis colegas. “Eles [os policiais] falavam mal do meu país, diziam que na Venezuela não tem gente, só tem animal, e questionavam o curso que eu estudo, foi uma humilhação”, afirmou.

Os alunos que sofreram a agressão e os outros que estavam presentes na situação montaram várias comissões para tratar publicamente do assunto. No blog Quebrada do Guevara (http://quebradadoguevara.blogspot.com.br) eles têm postado materiais de esclarecimento sobre o ocorrido.

A ação policial – de acordo com o major Elias Ariel Sousa, comandante da Polícia Militar, foi enviada apenas uma viatura para orientar os alunos sobre a denúncia e em seguida foi solicitado o reforço de uma fração do pelotão de choque, ou seja, mais quatro policiais. “Nós trabalhamos com o mínimo de efetivo nesses casos de perturbação de ordem, é comum esse tipo de acusação em outras repúblicas estudantis, e nessa residência não foi a primeira vez que recebemos denúncias”, afirma.

Segundo ele, alguns alunos estavam visivelmente alcoolizados e foram exaltados ao receber o atendimento policial. O major esclarece que a polícia de choque é a mais preparada para esses casos de perturbação de ordem e, está apta a utilizar os equipamentos para garantir a segurança. “Os policiais usaram arma de pressão, não para atingir os alunos, mas para dar o efeito moral e dispersar a aglomeração”.

Essa era a caixa de som utilizada pelos alunos durante a festa. Foto: Mariana Serafini

Segundo o major, a porta de vidro da moradia foi quebrada por um aluno, se houve a intenção de atingir um dos policiais ou não, ainda está sendo investigado, mas um membro da polícia foi ferido pelos estilhaços.

“Diante deste fato é óbvio que existe um protesto dos estudantes e nós temos acompanhado isso, eu já determinei a abertura de um procedimento interno por que a polícia não esconde em nada suas ações”, afirmou o major.

De acordo com ele, os relatórios oficiais da polícia relatam que a ação foi legítima, “mas eu não considero isso como definitivo, esse procedimento interno vai ratificar a ação como legítima ou retificar algum eventual erro que possa ter acontecido”, disse.

Caso comprove erros na ação policial o procedimento interno será encaminhado ao Ministério Público para pedir a responsabilização individual dos envolvidos na ação, tanto da parte da polícia quanto dos estudantes.

O que os vizinhos viram – de acordo com a polícia, a denúncia veio da vizinhança que se sentia incomodada com o barulho da festa.

Loreni Santos Gomes mora em frente ao hotel há mais de 10 anos, ela conta que já houve períodos muito conturbados naquela região, mas que ultimamente as coisas andam mais tranquilas. Ela disse ainda que a vizinhança gosta dos alunos e muitos vizinhos se revoltaram com a ação policial.

“Quando chegou a sexta viatura eles começaram a puxar os alunos para fora e bater neles, batiam mesmo, com chute de todo jeito, eles já estavam algemados e os policiais continuavam batendo, parecia que estavam obcecados para machucar”, disse um dos estudantes.

“Quando chegou a sexta viatura eles começaram a puxar os alunos para fora e bater neles, batiam mesmo, com chute de todo jeito, eles já estavam algemados e os policiais continuavam batendo, parecia que estavam obcecados para machucar”, disse Loreni.

Ela contou ainda que os policiais xingaram os vizinhos que tentaram pacificar a situação. “A gente gritava pedindo para eles pararem e fomos xingados, nos chamaram de favelados, de pelegos e ameaçaram não atender mais ocorrências aqui na nossa rua”.

A vizinha Catrine Nobre Gomes que mora em frente a moradia há três anos também confirma a violência que ela considerou errada. “Pra mim foi injusto o jeito que a polícia agiu, mesmo que os alunos tivessem ouvindo música alta, eles não podiam ter batido daquele jeito”.

Lei abaixo a nota de esclarecimento assinada por representantes da moradia estudantil “Quebrada do Guevara”:

Repúdio

Manifestamos primeiramente e com veemência nosso repúdio ao abuso policial praticado na noite de domingo, 3 de junho, na moradia “Quebrada do Guevara”, onde encontram-se vivendo cerca de sessenta estudantes da Unila, dos quais cerca de vinte e cinco encontravam-se reunidos na área comum da moradia na hora da invasão.

Sob alegação de flagrante ao descumprimento da lei do silêncio, policiais militares invadiram a moradia estudantil. Tal alegação foi imediatamente desmentida pelos vizinhos que disseram nunca ter ouvido um ruído na moradia e que apenas perceberam o ocorrido devido aos disparos efetuados pelos policiais. Essa informação se confirma quando verificado o equipamento de som usado na ocasião do encontro dos estudantes. Tratava-se de duas caixas de som de computador, ligadas num celular, cujo som tocara no interior da moradia.

Diante da resistência de que apenas um representante tivesse que acompanhar um grupo de militares em duas viaturas, os policiais disseram que dariam voz de prisão a quem eles escolhessem. A reação pacífica dos estudantes se deu mediante a exigência de que todos fossem à delegacia para a segurança individual e coletiva do grupo.

Dessa forma estabeleceu-se um impasse e os policiais iniciaram uma agressão indiscriminada. Os estudantes foram espancados. A ausência de policial feminina não impediu que mulheres fossem abordadas, e se não bastasse tal violação, a mesma se deu com excessiva violência. Indefesas, meninas foram arrastadas e golpeadas de cassetete. Num ato de delinqüência de um dos policiais, uma jovem foi chutada várias vezes quando se encontrava deitada cercada por estilhaços de vidro da porta que havia sido estourada. Três disparos foram efetuados, causando pânico entre os estudantes. Muitos ficaram feridos. Oito foram detidos, dentre eles, três brasileiros e cinco estrangeiros.

Relatos

Não bastasse a violência no interior da moradia, os estudantes detidos e feridos, foram ameaçados e intimidados em razão de serem supostamente de esquerda. Um deles foi questionado por estar com uma camiseta do Che Guevara, que na opinião do policial o qualificava de baderneiro.

Outro estudante foi alvo de piada de um policial, que perguntou: e agora, seu namorado vai te tirar daqui? – questionando a opção sexual do estudante. Em ambos os casos eram estrangeiros. Outro, ao se declarar venezuelano sofreu insultos ao ser chamado de ditador. Um equatoriano, ao se declarar estudante de sociologia foi insultado aos gritos pelo policial que berrava: Marxista! Marxista!

Aos estrangeiros, os policiais diziam que seriam enviados embora para seus países e em tom ameaçador diziam que a partir de agora eles estavam conhecendo com quem eles estavam lidando. Seguindo as ameaças, os policiais diziam que se encontrariam a sós com cada um deles.

Uma uruguaia, única mulher detida entre os oito, mesmo já machucada também não foi poupada da violência dentro da delegacia. Tratada à base de empurrões e sendo ameaçada através de gestos que simulavam golpes de socos, ela foi reprimida e em nenhum momento foi abordada por uma policial feminina.

Sobre a violência em Foz

Foz do Iguaçu se destaca como a cidade onde se concentra o maior índice de mortes entre jovens. Em 2009, o índice de morte por homicídio na adolescência era de 9,7 para cada grupo de mil, quase cinco vezes superior ao índice nacional, quando era de 2,03 p/ mil.

Em 2010, o Laboratório de Análise da Violência da UERJ, no Rio, a pedido do governo federal, divulgou lista das cidades com maior número de homicídios envolvendo jovens no Brasil. Novamente, Foz do Iguaçu liderou a lista, com 526 mortes de adolescentes, 11,8 para cada grupo de mil. Esse índice equivale a mais de 3 jovens mortos em relação a segunda colocada, a cidade de Cariacica, no ES, com 8,2 jovens mortos para cada mil.

Embora não haja dados precisos, sabe-se que um percentual significativo dessas mortes atribui-se à disparos de armas de fogo cometidos por policiais militares

O Conselho de Direitos Humanos da ONU sugeriu este mês de maio que a Polícia Militar seja abolida no Brasil. A sugestão faz parte de uma sabatina com 170 recomendações da comunidade internacional acerca da situação dos direitos humanos no país. A idéia foi apresentada pela Dinamarca que acusou a Polícia Militar brasileira de cometer execuções sumárias e violações.

Entre os dias, 20 e 22 de maio deste ano, Foz do Iguaçu sediou o Seminário Estadual da campanha contra a violência e extermínio de jovens. Isso demonstra o esforço da sociedade civil em lidar com este problema, e mais do que isso, revela a vocação de Foz do Iguaçu para o enfrentamento generoso dessa questão que aflige nossa sociedade e especialmente nossos jovens.

Queremos justiça

Diante da violência empreendida na invasão a uma moradia estudantil pertencente à uma instituição federal por policiais militares; dos sucessivos insultos e ameaças em razão de etnia, opção sexual e preferência ideológica; diante da violação dos direitos à proteção da mulher e do direito à defesa por parte de todos os envolvidos; diante da mentira alegada de que houve flagrante de perturbação à ordem pública, pois não havia equipamentos sonoros que ultrapassassem o limite tolerável de decibéis; diante da ausência de delegado, escrivão e advogado de defesa no procedimento na delegacia, cujos depoimentos foram dados sob tortura psicológica e violência física e diante das graves conseqüências geradas em razão de processo jurídico que sofrerão os estudantes envolvidos no caso, exigimos a punição dos policiais envolvidos na invasão e a anulação de todos os atos que constituem este processo que incriminam nossos companheiros.

Declaramos que nossa luta não se encerra com a anulação desses atos. Embora recém chegados, estamos inseridos neste contexto e dispostos a partilhar nossos sonhos com a comunidade de Foz do Iguaçu. A convivência pacífica e generosa entre os povos é a tradição simbólica que qualifica esta cidade como a principal desta fronteira, que unida pela ponte da Amizade e banhada pela beleza das cataratas constitui uma das regiões mais belas e pacíficas do mundo. Estamos aqui porque fazemos parte de um projeto que visa fortalecer os laços que unem estes povos. Somos os primeiros filhos dessas jovens democracias que começam a florescer na América Latina. Nossos pais nasceram antes dessas democracias e nos ensinaram a abominar a ditadura.

O que aconteceu com os estudantes da “Quebrada do Guevara” foi a reedição de cenas vividas nessas ditaduras, e tendo os policiais agido com os mesmos métodos e os mesmos insultos de décadas atrás, reiteramos nosso repúdio à essa ação criminosa praticada por delinqüentes fardados contra estudantes indefesos.

Assinam esta carta representantes dos residentes da moradia estudantil “Quebrada do Guevara”

*Com ClickFoz