A investigação mostrou que o pai do dono do restaurante praticou racismo. Ele constrangeu o garoto e fez isso em decorrência das características do menino, que é o fato de ele ser etíope e negro
A Polícia Civil de São Paulo concluiu nesta terça-feira (26) o inquérito sobre o caso do menino etíope que, no fim do ano passado, teria sido expulso de um restaurante italiano e pizzaria, na Zona Sul da capital paulista, onde havia ido com seus pais adotivos, que são espanhóis. No relatório que será entregue à Justiça, o 36º Distrito Policial, no Paraíso, informa que o pai do proprietário do Nonno Paolo deve responder pelo “crime de racismo” por ter colocado o garoto para fora e o impedido de voltar porque ele é negro. A criança teria sido confundida com um morador de rua.
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O fato ocorreu no dia 30 de dezembro de 2011. Francisco Carlos Ferreira, de 56 anos, está solto, mas foi indiciado por “constrangimento ilegal resultante de preconceito de raça ou cor”, segundo o delegado Márcio de Castro Nilsson. Caso seja condenado, a pena pode ser de até 6 anos de reclusão. Procurado para comentar o assunto, o investigado, que ajuda no filho na pizzaria, negou as acusações e alegou que houve um “mal-entendido” (leia mais abaixo).
Segundo a polícia, o garoto, que tinha 6 anos na época, não falava português e tinha ido ao restaurante acompanhado dos pais, que estavam visitando o Brasil, e de outros parentes. Quando o casal e familiares foram buscar comida, a criança ficou esperando, sentada à mesa, mas foi pega pelo braço por Francisco que a colocou para fora e a impediu de voltar, de acordo com a investigação.
O caso
A tia-avó do garoto, a aposentada Aurora Junqueira, de 78 anos, reconheceu Francisco como o homem que expulsou o garoto. Segundo o delegado Nilsson, câmeras de segurança gravaram o momento que o menino aparece do lado de fora do Nonno Paolo. A criança estava chorando quando foi encontrada pela família a um quarteirão de distância do local.
A mãe dele, que se identificou como Cristina, 42, técnica de administração acadêmica na Universidade de Barcelona, tinha vindo ao país com o marido Jordi, também espanhol. O garoto foi adotado aos 4 anos de idade.
“Foi um desespero, a primeira coisa que eu pensei foi que alguém havia levado ele [garoto] embora e que não iríamos vê-lo nunca mais”, contou a mãe à equipe de reportagem no início deste ano. “Ele me disse ‘um senhor me botou para fora’, em catalão, que é a nossa língua. Perguntamos se ele estava ferido e ele disse que foi segurado pelo braço, mas não foi machucado”. Após o incidente, o casal registrou boletim de ocorrência no 36º DP.
Racismo
Nesta terça, o delegado Nilsson afirmou que o crime é de racismo. “A investigação mostrou que o pai do dono do restaurante praticou racismo. Ele constrangeu o garoto e fez isso em decorrência das características do menino, que é o fato de ele ser etíope e negro”, disse o delegado. “O homem constrangeu a criança. Pegou a criança e botou para fora. Portanto vai responder por crime de racismo. Ele faria isso com um menininho branco de olhos azuis, vindo da Suécia? Ele pegou um menino negro, etíope e que fala catalão. Ele pegou e enxotou o garoto. O menino estava sentado junto à mesa do restaurante esperando os pais irem buscar comida”.
Segundo o delegado, ele se baseou nos artigos 8º e 20º da lei 776/89 para indiciar o pai do dono do restaurante. “A lei trata dos crimes resultantes de discriminação ou resultantes de raça cor, etnia, religião ou procedência nacional. O artigo 8 aborda o fato de impedir o acesso ou recusar o atendimento em restaurantes, bares, confeitaria ou locais semelhantes e abertos ao público. O 20 trata de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, ou procedência nacional”.
O que diz o indiciado
Procurado para dar sua versão, Francisco Ferreira confirmou que abordou o garoto etíope no Nonno Paolo, mas negou que tenha havido racismo. Segundo ele, o menino saiu espontaneamente do restaurante.
“O que tenho a dizer a respeito é que na época foi feita essa denúncia contra minha pessoa: que eu tinha colocado o garoto para fora. Mas foi um mal-entendido. O menino estava em uma área de risco, estava perto do bufê, olhando as panelas e não na mesa, como divulgaram aí. Ele ficava na ponta dos pés olhando para a mesa e não alcançava. Pedi a ele que ali não podia ficar. Perguntei para ele se ele estava com alguém e ele não falou nada. Ele foi para fora. Ninguém pôs ele para fora. Independente se fosse uma criança loira ou japonesa, eu jamais expulsaria ninguém”, afirmou Ferreira, que disse ajudar o filho no restaurante. “Mas não sou o dono”.
Ainda segundo Ferreira, o garoto deixou o restaurante por vontade própria. “Só depois soube que ele era estrangeiro. Calculei que ele estivesse com alguém pelo tamanho dele, mas pelo fato de ele não falar nada achei que estivesse ali por acaso. Tem uma feira em frente ao restaurante que ficam inúmeras pessoas. Naquela dia ocorria essa feira. Na época, colocaram o caso de uma forma que tinha posto o garoto para fora. Jamais iria tirar uma pessoa que estava sentada. Ele saiu e ficou na frente do restaurante. Foi o que aconteceu. Foi um mal-entendido que foi para a mídia dizendo que eu era racista. Sou branco mas tenho uma filha afro, registrada. Eu não tenho racismo nenhum comigo. Cerca de 70% dos funcionários são descendentes. Financeiramente a vida do restaurante abalou. Até hoje não me equilibrei ainda. O cliente dá crédito para aquilo que ouve na televisão. Eu tenho esclerose múltipla. Sou uma pessoa quase inválida, que tenta se reerguer. Discordo da decisão da polícia”.
G1