Triplista grega é expulsa da delegação em Londres por comentário racista
A Carta Olímpica, um documento que serve como base para a organização dos Jogos Olímpicos desde seu início, traz sete princípios fundamentais em sua abertura. Cinco deles falam de “bom exemplos”, “princípios éticos”, “desenvolvimento harmonioso da humanidade”, “união de atletas de todo o mundo”, incompatibilidade entre qualquer tipo de discriminação e o movimento olímpico, e da criação de um espírito olímpico que requer “entendimento mútuo com espírito de amizade, solidariedade e jogo limpo”. Com um único tweet, Voula Papachristou, atleta do salto triplo da Grécia, conseguiu violar todos eles ao mesmo tempo. E foi expulsa dos Jogos Olímpicos de Londres.
A expulsão de Papachristou, de 23 anos, foi confirmada nesta quarta-feira 25 pelo Comitê Olímpico Grego. A decisão foi tomada depois da repercussão negativa gerada por uma “piada” feita por ela na internet. Na segunda-feira 23, Papachristou comentou em sua conta no Twitter o Vírus do Oeste do Nilo, uma doença originária da África transmitida por mosquitos, que matou uma pessoa na Grécia neste ano e infectou outras quase 200. Papachristou saiu com essa: “Com tantos africanos na Grécia… pelo menos os mosquitos do Vírus do Oeste vão poder comer comida feita em casa”.
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A reação ao comentário racista foi imediata e intensa, a ponto de fazer com que a Esquerda Democrática, partido integrante do atual governo de coalizão grego, se manifestasse. Em comunicado, a sigla pediu a expulsão de Papachristou e afirmou que “piadas” deste tipo “não são toleradas pela sociedade grega”. Nesta quarta, o Comitê Olímpico Grego desprezou os inúmeros pedidos de desculpas de Papachristou e confirmou sua expulsão.
O tema do racismo no esporte parece não ter fim. Durante a Eurocopa, disputada em junho, o assunto foi debatido longamente por conta das constantes manifestações racistas na Polônia e na Ucrânia, sedes da competição. Um analista polonês tentou explicar o comportamento de parte de seus compatriotas dizendo que a falta de educação para o convívio com os “diferentes” era tão comum na na Polônia que muitas pessoas poderiam chamar um negro de “macaco” sem querer ofender. A análise não era uma tentativa de justificar o racismo, mas sim de explicar as origens daquele comportamento. A tese não serve para explicar atos explícitos de racismo como os verificados na Polônia e na Ucrânia e em muitos outros países durantes jogos de futebol. Ela ajuda a entender, porém, como um jornal italiano compara um atleta italiano negro com o King Kong e acha tal coisa normal. Basicamente, esta explicação diz que parte dos atos racistas são, na verdade, ocasionados por uma quase inimputabilidade de quem o pratica. Este tipo de racismo seria originado pela obtusidade de indivíduos e pela incapacidade de certas sociedades de contornar esta situação.
O caso de Papachristou é diferente. Um atleta não tem o direito de ser obtuso. Não tem justamente porque o atleta, queira ele ou não, serve como representante de um país e exemplo para a sociedade. Como atleta profissional, Papachristou tem a oportunidade de conviver com gente de todo o mundo, de todas as cores e credo, o que, ao menos na teoria, ajudaria a tornar seu pensamento menos obtuso e, portanto, menos racista. Com seu tweet, mostrou que mesmo convivendo num ambiente mais plural, não conseguiu escapar do racismo. Ao fazer uma “piada” com os africanos vivendo na Grécia, Papachristou desperdiça a possibilidade de que os Jogos Olímpicos sejam usados para criar um mundo mais harmonioso e ajuda a estimular a intolerância com a qual esses imigrantes são recebidos.
Mais que isso, Papachristou exemplifica a incapacidade dos seres humanos de conviver com os “diferentes”. Em 1936, o corredor negro Jesse Owens humilhou Adolf Hitler nos Jogos Olímpicos de Berlim ao conquistar quatro medalhas de ouro numa competição organizada para mostrar “a supremacia ariana”. Isso ocorreu há quase 76 anos, mas o tempo não fez efeito, e o racismo continua em voga.
José Antonio Lima, CartaCapital