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Tradicional clube de São Paulo é processado por discriminação sexual

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Um dos mais tradicionais clubes de São Paulo recusou pedido de sócio homossexual para incluir seu parceiro como dependente

Associado promoveu ação judicial adequada a que o clube admitisse o companheiro na qualidade de dependente. Imagem: Reprodução

O Club Athletico Paulistano, nos Jardins, zona sul da capital paulista, foi advertido pela Secretaria de Justiça do governo em processo administrativo por discriminação sexual. O clube, um dos mais tradicionais de São Paulo, recusou o pedido de um sócio homossexual, o médico infectologista Ricardo Tapajós Pereira, para que seu parceiro, o cirurgião plástico Mário Warde, fosse reconhecido como dependente.

A advertência, publicada no dia 28 de junho no Diário Oficial do Executivo, foi uma decisão em segunda instância tomada pela secretária de Justiça e Defesa de Cidadania Eloísa de Sousa Arruda. A medida revoga a absolvição obtida pelo Paulistano em primeira instância.

A condenação é baseada na Lei Estadual 10948, de 2001, que pune a discriminação sexual no Estado de São Paulo. A advertência é a sanção mais branda aplicada, mas pode evoluir para sanções mais pesadas no caso de reincidência: multa de R$ 18.440 a R$ 55.320 (multiplicável por dez, dependendo do porto de estabelecimento), suspensão da licença estadual de funcionamento por 30 dias ou cassação permanente.

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A assessoria de imprensa do Club Athletico Paulistano informou que soube da decisão nesta quinta-feira, 5, e que ainda não pode se manifestar a respeito. De acordo com a Secretaria de Justiça, a decisão foi publicada novamente por não ter saído legível na publicação anterior. O título para ser sócio do clube custa R$ 11 mil e é acompanhado de uma taxa R$ 360 mil, segundo informações da assessoria de imprensa.

O advogado criminal Paulo Sérgio Fernandes comenta o caso, em texto que pode ser lido abaixo:

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Notícias postas hoje na internet e portanto absolutamente públicas mostram a fotografia de um casal gay, um deles sócio há muitos anos do tradicionalíssimo Club Athletico Paulistano e o outro ligado ao primeiro na chamada união estável. Promoveram ação judicial adequada a que o clube admitisse o companheiro na qualidade de dependente. O sócio pretendera autorização a tanto pelas vias normais, mas houve rejeição, porque o estatuto do clube não prevê a hipótese. Aquela centenária instituição tem estatuto social estabelecendo que a mancebia, ou acasalamento, se dá entre homem e mulher. Cuida-se, então, de opção ortodoxa, ou clássica, inexistindo modificação até o momento.

Não se conhece o teor da decisão judicial que dá, em 1° grau, vitória aos cônjuges, mas é preciso admitir que a Suprema Corte já delineou muito bem o assunto, reconhecendo como legítima a união homoafetiva entre homem com homem e mulher com mulher. Assim é, inexistindo possibilidade de insurgência a não ser com fundamento em hipótese de violação de preceitos éticos ou morais, realçando-se conduta inadequada aos bons costumes. Evidentemente, valendo aliás para ambos os sexos, tornar-se-ia muito difícil a aquiescência a uma frequência constituída por homem vestindo trajes sumários de mulher, ou vice-versa. A situação ficaria tragicômica. Exemplifique-se com cartunista cujo nome não importa, querendo ele, vestindo trajes do sexo oposto, entrar no banheiro feminino. Não o conseguiu, porque o dono do restaurante o impediu e as mulheres, com certeza, resmungariam bastante.

A modernidade leva à instituição de novos costumes, sendo de tal monta o avanço que a resistência é ineludivelmente vencida. Acabou-se. Faz parte, o exemplo, de um novo conceito universal quanto aos chamados direitos e garantias do cidadão. Em outros termos, lícito é aquilo que não é proibido. Embora constituindo assunto trepidante, o congresso sexual entre homem com homem e mulher com mulher, realçando-se o primeiro grupo, era costume implantado na Grécia socratiana, sem exceção na Roma dos césares. Falava-se na mulher, àquela altura, numa categoria subjacente, reservando-se aos homens os prazeres da carne. Cuidava-se, na chamada “Legião Sagrada”, de legionários lutando aos pares, protegendo-se mutuamente e morrendo juntos, se necessário fosse. Dentro de tal aspecto, surpresa hodierna não deveria haver. Mas houve e continua medrando pelos corredores da maledicência.

Tocante ao episódio do vetusto Club Atlhetico Paulistano, a questão extrapola a delimitação tradicional, sendo preciso analisar se o requisito ortodoxo entendido como união entre homem e mulher pode constituir lei interna a reger o comportamento dos associados. Em princípio não pode, valendo a hipótese de ofensa aos chamados direitos fundamentais do cidadão.

Há, na jurisprudência pátria, provocações assemelhadas. Houve candidato reprovado em concurso público por exibir tatuagem no corpo. A homossexualidade já serviu, em passado não muito distante, a se colocar em disponibilidade juiz tendente a tal opção. O Tribunal o aceitou depois.

A faceta científica ligada a tendências homossexuais é muito sedutora. O exame dos clássicos de medicina legal, aliás, traz a impressão de que a grande maioria cuidava do homossexualismo como anormalidade. Relembre-se Flamínio Fávero, entre outros. Não se pensa assim agora. Racionaliza-se a questão no sentido de cuidar-se pura e simplesmente de opção sexual, genética ou não, pouco importa, mas sempre uma escolha saudável.

A disputa entre o casal rebelde e o tradicional clube paulista há de evoluir em direção a graus mais altos da Jurisdição, ou cessa no meio do caminho, reconhecendo-se a legitimidade da pretensão. Em certo sentido valerão, por tabela, receios de extensão a outras hipóteses. Na verdade, as chamadas uniões estáveis têm hoje assimilação a uma forma mitigada de casamento, justificando-se então a pretensão ao agasalhamento no quadro social. Filhos, adotivos ou pertencentes a um dos cônjuges, receberão guarida do clube, mas por questões outras.

Vale a pena, ao fim, elogiar a tenacidade com que os moços querem ver suas pretensões avalizadas domesticamente pelo Club Athletico Paulistano. É claro que a grande maioria dos sócios absorverá aquilo que a princípio pareceria impactante. No fim das contas, levada a cobro a dissensão, haverá situações parecidas a incidente concretizado em torno de conhecido ator de telenovela visto em São Paulo jantando em restaurante grã-fino. Os comensais faziam de conta que ele não estava lá, até mesmo em preservação de seu recato. Um dos frequentadores, entretanto, fez questão de se levantar e cumprimentar aquela figura diferenciada, perguntando-lhe, a seguir, se estava incomodada com o reconhecimento. A resposta veio risonha e rápida: “– Ao contrário, faço questão!”. Já se vê que tudo pode ter um final feliz…