Além dos casos de nudez forçada, há relatos de abuso da violência durante as marchas, em casos que vão desde asfixia até fratura de braços e pernas durante a detenção
De pé contra a parede de um corredor, cinco estudantes foram obrigados a tirar a roupa. Três garotas e dois garotos, entre 14 e 16 anos, permaneceram seminus durante mais de duas horas em um controle de detenção diante de um grupo de policiais. Os oficiais lhes intimidaram com gritos e faziam alusões ameaçadoras às armas que carregavam em suas cinturas.
Dois dos policiais também teriam obrigado os menores a caminhar e realizar exercícios físicos, enquanto faziam comentários jocosos sobre os tamanhos das genitálias dos garotos e dos seios das garotas. Um terceiro garoto teria sido obrigado a se despir diante de outros dois policiais dentro de um banheiro privativo da delegacia, onde a violência psicológica teria sido ainda mais intensa.
As denúncias acima foram feitas pela ACES (Agrupação Centros de Estudantes Secundaristas) e dizem respeito ao humilhante tratamento imposto por Carabineros (polícia militar chilena) a seis adolescentes detidos em 13 de agosto após o fim da ocupação do Colégio María Luisa Bombal, na cidade de Rancagua, 80 quilômetros a sudoeste de Santiago.
Nesta quarta-feira (29/08), em reunião com a Comissão de Direitos Humanos do Congresso Nacional do Chile, o diretor-geral dos Carabineros, general Gustavo González, assumiu que houve excessos e garantiu que os policiais envolvidos serão sancionados, podendo ser afastados dos cargos. Contemporizando, González afirmou que se trata de um caso isolado.
No entanto, essa versão contrasta com um relatório da ACES e da Confech (Confederação dos Estudantes Universitários do Chile) que traz mais de cem denúncias de abusos policiais contra estudantes somente em 2012. O documento inclui relatos de outros três incidentes semelhantes ao de Rancagua, e foi entregue ao INDH (Instituto Nacional de Direitos Humanos) ontem.
O relatório contém outros três casos de detenções com menores obrigados a se despir diante de policiais, em três comunas da capital Santiago (San Miguel, La Florida e Maipú), ocorridos entre junho e agosto deste ano. Além da nudez forçada, as denúncias se assemelham também nas descrições de humilhação verbal e ameaças gestuais, e também na prolongada duração desses procedimentos – um deles teria sido de mais de quatro horas.
“A repetição dos casos e o surgimento de denúncias contendo novas modalidades de abuso nos faz pensar que chegamos a um momento limite, onde já não basta que as autoridades falem em sanções e investigações, é preciso haver uma profunda mudança de postura no atuar policial”, disse a presidente do INDH, Lorena Fries.
Lei Hinzpeter
Além dos casos de nudez forçada, há relatos de abuso da violência durante as marchas, em casos que vão desde asfixia até fratura de braços e pernas durante a detenção. Outro destaque do relatório foram os casos dos chamados “sequestros express”, embora as denúncias apontem suspeitas da participação de policiais, mas não a certeza de que estariam envolvidos.
Para Sebastián Donoso, presidente da FEUSACH (Federação de Estudantes da Universidade de Santiago) e representante da Confech no evento, “os casos são o que, no caso de a Lei Hinzpeter ser aprovada, se tornariam abusos com respaldo legal”.
A Lei de Reforço da Ordem Pública, batizada como Lei Hinzpeter pelos estudantes – em alusão ao autor, o ministro do Interior Rodrigo Hinzpeter –, prevê entregar maior poder de ação aos Carabineros durante manifestações populares, além de responsabilizar os organizadores dos eventos em casos de distúrbios durante os mesmos, o que estaria sujeito a penas que poderiam variar de 540 dias a três anos de prisão.
O projeto da lei já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Congresso chileno, e falta ser votado pela Câmara e pelo Senado para poder entrar em vigor. “A lei já está vigente, nós a sentimos em cada evento estudantil, mas enquanto essas medidas ainda constituem delito de abuso, podemos denunciá-las. Precisamos que a sociedade demonstre maior rejeição a esta lei, para que esses abusos não se tornem legais”, disse Donoso.
Lorena Fries citou também o caso do estudante Manuel Gutiérrez, morto por uma bala perdida disparada pelos Carabineros durante uma marcha, em 24 de agosto de 2011. Para recordar o aniversário de sua morte, o INDH e a ONG Londres 38 instalaram duas fotografias gigantescas na torre da Igreja Santa Lucía, no Centro de Santiago, a poucos metros do Palácio La Moneda. O cartaz também lembra que tanto o policial que realizou o disparo quanto o comandante que autorizou o procedimento continuam impunes, embora tenham confessado.
Opera Mundi