Caso Dorothy: liberdade a assassino da missionária comprova impunidade no Brasil
Irmã Dorothy era uma missionária norte-americana que atuava com projetos de reflorestamento e proteção à floresta Amazônica. Após receber várias ameaças em decorrência de seu trabalho, foi assassinada com seis tiros
Foi libertado na última semana em Altamira, no Pará (região Norte do Brasil), um dos principais acusados do assassinato da missionária Dorothy Stang, morta em 2005, em Anapú. Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, havia sido condenado a 30 anos de reclusão, mas por decisão do juiz Murilo Lemos Simão, o acusado poderá apelar em liberdade.
A decisão, tomada pelo juiz de Marabá e reforçada por um habeas corpus concedido pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), indignou quem acompanha o caso e luta por justiça. Dinailson Benassuly, coordenador do Comitê Irmã Dorothy Stang, disse estar estupefato com a liberação do mandante do crime.
“Pela gravidade e repercussão do caso nós não acreditávamos que isso poderia acontecer, mas aconteceu. Regivaldo é o mais rico dos envolvidos no ‘consórcio’. Os outros estão cumprindo pena há quase oito anos, mas ele não. Foi condenado, preso, solto, preso novamente e agora está solto de novo. Por que será? A sociedade está à mercê”, denuncia.
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Em 2010, Regivaldo foi condenado pelo tribunal do júri a uma pena de 30 anos por ser o mandante do assassinato da irmã Dorothy e estava preso, mas foi libertado quando seus advogados conseguiram interpor um recurso de apelação. Dinailson conta que a luta foi intensa para conseguir o retorno do criminoso à prisão.
Um ano depois, a decisão foi revertida por um tribunal estadual, que entendeu que o acusado deveria cumprir a pena. A defesa pediu novamente sua liberdade, mas o Tribunal de Justiça do Pará e o Superior Tribunal de Justiça negaram com base no modo como o crime foi cometido e em virtude do poder aquisitivo do réu, o que facilitaria sua fuga ao aguardar em liberdade seu processo de apelação.
Agora, com o mandante do assassinato novamente em liberdade, o coordenador do Comitê Dorothy Stang afirma que vão retomar a luta para que Regivaldo seja preso novamente. “Com essa decisão, vamos a acionar advogados e Ministério Público, pois queremos que a justiça seja feita e que esta novela sem fim acabe. Nós estamos atentos, de olho e vamos batalhar para que Regivaldo seja preso”, diz.
Na primeira vez em que foi solto, o fazendeiro ameaçou moradores e integrantes do projeto de desenvolvimento sustentável criado pela irmã Dorothy. Este temor volta com a liberdade de Regivaldo. Dinailson alerta que é preciso preservar a segurança do padre e das irmãs que atuavam com Dorothy.
Impunidade
Decisões contraditórias e incompreensíveis como a da última semana em favor de um criminoso não são incomuns no Brasil, sobretudo quando o assunto é conflitos no campo. O mesmo juiz, Murilo Lemos Simão, absolveu o fazendeiro Vicente Correia Neto e os pistoleiros, Valdenir Lima dos Santos e Diego Pereira Marinho, acusados de matar o líder sindical Valdemar Barbosa de Oliveira, o Piauí, em junho de 2011. Lemos Simão também se negou, por duas vezes, a decretar a prisão do fazendeiro e dos dois pistoleiros acusados do assassinato do casal de extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, em Nova Ipixuna (PA), em maio de 2011.
Para o coordenador do Comitê, casos como estes incentivam a continuidade dos crimes no campo. “Nós queremos que a impunidade encerre, mas para isso é preciso haver punições exemplares, sobretudo para quem atenta contra a vida. A impunidade gera mais violência, porque isso se torna um incentivo a mais crimes”, critica.
No Brasil, a população do campo enfrenta constantes situações de violência. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) dão conta que 1.855 pessoas estão sob ameaça por conflitos agrários. Maranhão e Pará são os estados mais violentos e os povos indígenas e os quilombolas são considerados os mais vulneráveis.
Entenda o caso
Irmã Dorothy era uma missionária norte-americana que atuava com projetos de reflorestamento e proteção à floresta Amazônica. Também trabalhava junto aos agricultores/as e lutava pela redução dos conflitos fundiários, muito comuns nesta parte do Brasil. Em 12 de fevereiro de 2005, após receber várias ameaças de morte em decorrência de seus trabalhos, a missionária foi assassinada com seis tiros, em Anapu.
Adital