PROFISSÃO: ADVOGADO; GRAU DE INSTRUÇÃO: ANALFABETO. Aparentemente, a Justiça Eleitoral Brasileira não acredita que essas duas afirmativas são contraditórias. Segundo ela, no Brasil o cidadão pode ter grau em Direito e ser oficialmente analfabeto
José Inácio Weneck, Direto da Redação
Bonito (Mato Grosso do Sul) – Estou nesta espetacular região, cuja fauna e flora infelizmente já começam a sentir os efeitos das mudanças climáticas desfechadas pelo efeito estufa, mas isto fica para outra oportunidade.
Antes de aqui chegar, passei um dia no Rio de Janeiro a labutar em cartórios para conseguir transcrever o registro de nascimento de meus netos em consulados brasileiros no exterior, cidadãos natos que eles são, assim considerados depois da reforma constitucional.
Andei de seca em meca, pois a burocracia brasileira não dá sinais de arrefecer, mas isto tampouco será objeto desta coluna. O que mais me chamou a atenção foi que, ao longo de minhas peregrinações, consegui descobrir algo deveras espantoso.
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Um cidadão brasileiro, cujo nome prefiro omitir, residente no Rio de Janeiro, foi votar, há coisa de 15 ou 16 anos, e viu-se surpreendido, na Junta, com a seguinte informação: “O senhor mudou-se para Goiás”.
– Para Goiás? Como? Lá nunca nem botei os pés.
– Bem, o seu título está na cidade tal.
(Esqueço o nome da cidade, mas isto não importa.)
– Bem, se está lá, tratem de trazé-lo para cá.
– Para tanto, o senhor precisar requerer que seu título seja transferido de Goiás para o Rio de Janeiro.
O cidadão de quem falo, que por acaso é advogado, e advogado instruído, redarguiu:
– Como vou requerer que meu título seja transferido de Goiás para o Rio de Janeiro se não requeri que ele fosse transferido do Rio de Janeiro para Goiás, estado onde nunca fui?
– Bem, ou o senhor requer ou não vota.
– Então não voto, mesmo porque os candidatos são péssimos. Mas exijo que o senhor me dê um documento dizendo que compareci e não pude votar.
Assim foi feito e o caso foi parar na Justiça, onde até hoje rola, quase duas décadas depois. No meio das idas e vindas, o cidadão de quem falo apurou o seguinte: seu título está mesmo na tal cidadezinha, onde, em papel oficial, constam duas preciosas informações: PROFISSÃO: ADVOGADO; GRAU DE INSTRUÇÃO: ANALFABETO.
Aparentemente, a Justiça Eleitoral Brasileira não acredita que as duas afirmativas sejam uma contradição em termos. Segundo ela, no Brasil o cidadão pode ter grau em Direito e ser oficialmente analfabeto.
Ora, que descoberta.
Kafka sorri em sua sepultura.
O processo continua em seus tortuosos trâmites, mas, em termos práticos, teve um final delicioso. Como a filha do cidadão em questão completou 18 anos, ele precisou acompanhá-la à mesma Junta Eleitoral de onde seu título partira misteriosamente rumo ao sertão. Lá, em conversa com uma senhora de boa vontade, a funcionária piscou-lhe os olhos, sentou-se ao computador e, voilá, emitiu um novo título eleitoral para nosso amigo. Agora, deve haver alguém votando com seu nome em Goiás, advogado oficialmente definido como analfabeto, e ele próprio votando no Rio de Janeiro, com um título onde está escrito PROFISSÃO: ADVOGADO, GRAU DE INSTRUÇÃO: SUPERIOR.
BRASIL!