Esta será a terceira parcela repatriada dos recursos remetidos ilegalmente para o exterior, entre 1996 e 2002, no auge das privatizações tucanas. Mas as investigações sobre o caso continuam cercadas por uma cortina de fumaça. No Judiciário, as ações estão pulverizadas em diferentes varas. No Legislativo, a CPI do Banestado terminou em pizza e a CPI da Privataria segue engavetada
O governo brasileiro conseguiu recuperar R$2,2 milhões dos recursos públicos remetidos ilegalmente ao exterior via Banco do Estado do Paraná (Banestado), no esquema de corrupção que abalou o país entre 1996 e 2002, no auge das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso. De acordo com o diretor do Departamento Internacional da Advocacia Geral da União (AGU), Boni de Moraes Soares, a parcela que será repatriada já é a terceira relativa ao caso. As duas anteriores representavam valores equivalentes. Mas o percentual desviado é bem mais robusto: algo em torno de R$ 124 bilhões, conforme o deputado Protógenes Queirós (PCdoB), que é delegado da Polícia Federal (PF) e atuou no caso.
Soares conta que os R$ 2,2 milhões estavam bloqueados, desde 2005, em uma conta aberta nos Estados Unidos, por três brasileiros já condenados em primeira instância por envolvimento no caso Banestado. Para reaver o montante, não bastaram os pedidos de devolução feitos pelo Ministério da Justiça (MJ), com base em tratados de cooperação internacional. Foi necessário comprovar, na Corte Distrital de Nova York, que o dinheiro depositado no banco norte-americano era fruto de corrupção. Causa que a AGU assumiu em 2010, segundo ele.
O MJ, que é responsável pela repatriação, não divulga a identidade dos brasileiros e mesmo o nome da instituição financeira. Dez anos após o fim do governo que conduziu as grandes privatizações brasileiras, o escândalo do Banestado permanece cercado por uma cortina de fumaça. As ações contra executivos do banco, doleiros e usuários do sistema fraudulento do banco estão esparsas em diferentes varas da justiça brasileira, a maioria sob segredo de justiça, o que dificulta seu acompanhamento.
A reportagem de Carta Maior perguntou ao secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, quanto, exatamente, o Brasil já recuperou dos recursos desviados via Banestado, quanto resta bloqueado no exterior aguardando o curso dos processos legais e qual o andamento das ações penais relativas ao caso. “A maior parte dos processos corre em segredo de justiça. Como o MJ só atua quando acionado pelo Ministério Público ou pelos juízes responsáveis pelas ações, não nos cabe informar detalhes”, respondeu Abrão.
Uma CPI abortada e outra engavetada
No Legislativo, as investigações sobre o caso não tiveram êxito. A CPI do Banestado, aberta em 2003, terminou em pizza: um acordão indigesto entre PSDB e PT poupou das investigações uma farta carteira de clientes vips da “lavanderia”. Entre eles, alguns já comprovadamente culpados, como o deputado Paulo Maluf (PP-SP), o juiz Nicolau dos Santos Neto, e a fraudadora da Previdência, Jorgina de Freitas. E outros sob os quais pesavam graves indícios, como o publicitário Marcos Valério (que, à época, atendia o governo tucano de Minas Gerais), o ex-senador Jorge Bornhausen (do antigo PFL) e o candidato pelo PSDB à prefeitura de São Paulo, José Serra.
O deputado Protógenes Queirós não desiste de esclarecer os fatos. No final do ano passado, apresentou à mesa diretora da Câmara o pedido de abertura de uma nova comissão parlamentar de inquérito para investigar o caso, batizada de CPI da Privataria. Segundo ele, o lançamento do livro Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr, em 2011, trouxe novas evidências da corrupção praticada no país pelo esquema ilícito do Banestado. E reascendeu o anseio por investigações.
Mesmo cumprindo todas as formalidades exigidas pela casa, a comissão, hoje, continua engavetada, enquanto a CPI do Cachoeira, proposta vários meses depois, já está caminhando para a conclusão. “O que os partidos alegaram, na época, é que era melhor esperar as eleições deste ano, para não parece que a CPI era uma armação política para minar a candidatura de Serra”, explicou. Esta semana, porém, ele vai voltar a cobrar a instalação da CPI da Privataria. Como o Serra despenca nas pesquisas eleitorais e pessoas ligadas ao PT estão sendo julgadas por crimes semelhantes no processo do “mensalão”, o deputado avalia que a conjuntura está mais favorável.
Se há participação de tucanos nos desvios do Banestado? Protógenes aposta que sim. Segundo ele, empresários interessados em proteger suas reservas da instabilidade fiscal dos anos 1990 também usaram a lavanderia, mas o grosso do dinheiro era proveniente dos recursos públicos desviados das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso. “Os personagens que encontrei na investigação coincidem com os retrados no livro Privataria Tucana, o que nos leva a crer que o esquema foi, sim, usado para lavar dinheiro do PSDB”, afirma.
Na obra, o jornalista comprova o envolvimento com o esquema de remessa ilegal de dinheiro para o exterior de dois parentes próximos de Serra: o primo Gregório Martin Preciado e a filha Verônica Serra. O relatório da PF sobre o caso Banestado indica também um possível envolvimento direto do próprio candidato à prefeitura paulistana: extratos fornecidos pelo banco norte-americano JP Morgan Chas apontam que Serra era uma das pessoas autorizadas a movimentar a conta denominada “tucano”, que teria recebido US$ 176,8 milhões, entre 1996 e 2000.
Avanços nas investigações de lavagem
A sofisticação do esquema fraudulento do Banestado prejudicou em muito as investigações iniciadas há uma década. Conforme o diretor do Departamento Internacional da AGU, o dinheiro desviado dos cofres públicos era remetido para uma agência do próprio Banestado nos Estados Unidos. Em Privataria Tucana, Amaury relata que, de lá, o dinheiro circulava em várias outras contas, de forma a despistar sua origem, para só depois ser depositado em paraísos fiscais ou retornar, já lavado, às mãos de seus verdadeiros donos.
Até 2003, o Brasil também não contava com dispositivos eficientes para combater a prática. Foi só após a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que os mecanismos destinados ao combate de crimes que resultam em evasão de divisas foram desenvolvidos. Segundo o secretário nacional de Justiça, a criação da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla) mudou a forma do país processar a investigação desses crimes. O fórum, que congrega 60 órgãos e entidades dos três poderes da República envolvidos com ao combate à lavagem, permitiu a troca de informações, dinamizando prevenção e investigação.
Abrão destaca também a implantação dos Laboratórios de Lavagem de Dinheiro (LABs) , classificados por ele de “escritórios de produção de informação estratégica”. Tratam-se de software e hardware que fazem processamento de dados em massa, indicando as relações que se estabelecessem entre as diversas contas em que os recursos ilícitos circulam. Permitem, portanto, estabelecer a origem e a destinação do dinheiro lavado que, por estratégia de ocultamento, costumam transitar em diferentes contas, de diferentes instituições, antes de chegarem às mãos dos seus verdadeiros destinatários.
O secretário afirma que, hoje, o Brasil possui R$ 3 bilhões de ativos ilícitos bloqueados em outros países, remetidos para o exterior tanto pelo Banestado quando por outros esquemas ilegais de evasão de divisas e lavagem. O montante processado pelos LABs, só de 2009 para cá, chega a R$ 11 bilhões, referentes a 600 casos. “Nossa capacidade de bloqueio de recursos é maior do que a de repatriação porque, no último caso, dependemos da tramitação dos processos aqui no país e nos países estrangeiros”, esclareceu.
O diretor da AGU também avalia que o país tem avançado muito na recuperação do dinheiro público desviado por corrupção. Ele lembra que, na semana passada, o órgão fechou um acordo que resultou na maior operação do gênero, que possibilitará o retorno aos cofres da União dos R$ 468 milhões destinados à construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP), que haviam sido desviados pelo Grupo OK, do ex-senador Luís Estevão (PP-DF). Do total, R$ 80 milhões foram pagos à vista.
O restante foi parcelado em 96 prestações de R$ 4 milhões. E para garantir a recuperação do total do valor, o órgão mantém penhorados 1.255 imóveis de Estevão, com valor correspondente à 150% do que ele deve ao erário.
Najla Passos, Carta Maior