Professor volta de férias como travesti com nome inspirado em ex-namoradas
“Eu sempre soube o que eu era e, quando era criança, por causa da minha delicadeza, sofri violência de gênero e tive que mudar de escola. Hoje, depois que tirei a capa de homem, me sinto muito melhor comigo mesma”
O professor de xadrez da rede pública de Buenos Aires José D’Oro assumiu, há pouco mais de um mês, que é travesti, como se define, e adotou o nome de Melisa em homenagem às ex-namoradas.
”Melisa é um anagrama em homenagem às namoradas que tive. Mercedes, Estela, Ana. Foram muitas”, disse. Ele decidiu assumir de vez a nova identidade após as férias escolares deste inverno.
Nos últimos dias, Melisa foi notícia nos principais jornais do país, como o La Nación e o Página 12, e entrevistada nas emissoras de TV locais, como a CN23. Ela é a primeira professora transexual da rede pública da capital argentina e nos últimos dias substituiu calças compridas por vestidos e saias, além dos cabelos mais longos.
“Nos últimos seis anos, decidi iniciar minha transição. Mesmo usando roupas masculinas, passei a fazer as sobrancelhas e as unhas. E usei roupas mais soltas para que não percebessem meus seios de silicone”, afirmou. Quando era José D’Oro, foi casado e pai de duas filhas, que agora têm 16 e 21 anos.
”Elas me apoiam completamente. E adoramos fazer coisas de moças juntas, como maquiagem, por exemplo”, disse. Diante da pergunta de como as filhas a chamam, se pai ou mãe, Melisa respondeu: ”Por enquanto ainda me chamam de ‘Pa’ (diminutivo de papai), mas quem sabe será diferente no futuro, não é?”, respondeu.
‘Tirei a capa de homem’
Melisa disse que desconhece a opinião da ex-mulher, mas disse não estar preocupada. ”Somos separadas há mais de dez anos. Tenho o apoio das minhas filhas, dos meus amigos e dos outros professores. Só não esperava tanta repercussão à minha decisão”, disse.
Melisa dá aulas de xadrez em seis escolas da rede pública da cidade de Buenos Aires que, como a escola número 23, do bairro portenho de Flores, incluem a atividade para os alunos que estudam em tempo integral. Ensina xadrez há mais de 20 anos e acha que desde que passou a ser Melisa tem uma atitude ”mais dócil” com as outras pessoas.
”Eu sempre soube o que eu era e, quando era criança, por causa da minha delicadeza, sofri violência de gênero e tive que mudar de escola. Hoje, depois que tirei a capa de homem, me sinto muito melhor comigo mesma”, disse.
De acordo com a imprensa local, cada escola onde ela trabalha teria comunicado aos pais dos alunos que sua aparência seria ”diferente” depois das férias. ”Ela é uma excelente professora e as crianças têm que se acostumar”, disse uma das mães de uma aluna ao jornal La Nación.
Sua colega e professora Claudia Araujo disse ter explicado a mudança aos alunos por meio de contos para abrir o debate sobre a questão. ”As crianças e jovens têm muitos exemplos que veem na televisão. Eles têm muita informação e entendem essas questões melhor que os adultos. Estamos em uma sociedade que muda frequentemente e acho que a decisão de Melisa foi corajosa”, afirmou.
Lei de identidade de gênero
Melisa é a primeira a assumir sua nova condição no trabalho escolar. Recentemente, outra professora de Quilmes, cidade vizinha de Buenos Aires, assumiu ser transexual, mas ela havia iniciado a carreira de mestra com a condição sexual de aparência feminina.
Melisa foi a primeira a mudar de aparência após passar anos como professor e não como professora, como contou. Para ela, a lei de identidade de gênero foi o ”broche de ouro” que faltava para que ”cada um assuma quem é”.
A lei entrou em vigor em junho passado, permitindo a troca de nome nos documentos e tratamento médico para mudança de sexo na rede pública do país.
Mas Melisa disse que ainda iniciará os tramites para a mudança de nome nos documentos e que passará a se chamar Melisa Estela D´Oro, mas não fará a cirurgia para mudança de sexo. “Eu sou travesti e não tenho conflito com meu corpo”, afirmou.
BBC Brasil