José De Abreu fala de política e história em entrevista: "Fernando Henrique Cardoso era meu ídolo na época da faculadde, não o Lula". Sobre partidos políticos, revela: "o DEM acabou e o PSDB está acabando"
José de Abreu, 66, acompanha com a mesma intensidade o desfecho de “Avenida Brasil” e a conclusão do julgamento do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal).
Mensalão e o PT
“Eu nunca conversei com o Zé [José Dirceu] a respeito das denúncias. Acho que o PT fez o que sempre se fez. É errado? Sim! Mas fez o que sempre se fez”.
“Por que o PPS apoia o Serra em São Paulo e o Paes/Lula/Dilma no Rio? Qual o sentido disso? Roberto Freire [presidente do PPS] passa 24 horas por dia no Twitter metendo o pau no Lula, chamando de ladrão e de corrupto, e fecha com o Paes aqui, com um vice-candidato a prefeito do PT? É venda de espaço, venda de horário, venda da sigla. Vou ser processado. Já estou sendo processado pelo Gilmar Mendes [ministro do STF, por chamá-lo de corrupto no Twitter]]. Agora, talvez seja processado pelo Freire.” –procurado pela reportagem, Roberto Freire declarou: “Esse ator tem uma ética política que orbitava ao redor do PCB [Partido Comunista Brasileiro]. Agora, ele não tem mais nada disso. Não merece meu respeito nem a minha resposta.”
“O Supremo quer mudar a maneira de fazer política no Brasil. Ótimo, maravilha! Óbvio que tinha que começar com o PT. Então, agora para ser condenado no Brasil basta ser preto, puta, pobre e petista.”
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“O grande organizador da base foi o Zé Dirceu. Eu não tenho informação de cocheira para falar. Lendo a imprensa, deu para notar o seguinte. Antes do Lula ser eleito, houve uma reunião dele com o Zé Dirceu dizendo que ele não queria mais concorrer, né? E o Zé o convenceu com a ideia do José de Alencar [ex-vice-presidente] ser vice, de abrir um pouco mais o PT, de fazer coligação etc. Isso tudo foi o Dirceu quem fez não o Lula. Mas se for a história do domínio do fato, tem que prender o Fernando Henrique por comprar a eleição dele, porque tem provas. Agora se fala, eu sei que houve, mas não sei quem fez. O deputado Ronnie Von Santiago [que era do PFL-AC] falou eu ganhou R$ 200 mil para votar a favor da reeleição do Fernando Henrique. Ah, o FHC não sabia? Mas pelo domínio do fato, não saber é como saber. Então se pode enquadrar qualquer um, até o Lula, que sem dúvida nenhuma é o grande objetivo…”
“O PT está virando o Brasil de cabeça para baixo, está colocando uma mulher na presidência, um negro na presidência do STF, tirando 40 milhões da pobreza, fazendo um cara que sai do Bolsa Família, do ProUni, fazer mestrado em Harvard, ter os primeiros lugares do Enem.”
“Como é que um operário sem dedo, semianalfabeto faz isso que nunca fizeram? O nosso querido Fernando Henrique Cardoso, que era a minha literatura de axila na faculdade, que era meu ídolo. Não o Lula. O Lula era da minha geração, o FHC de uma anterior. Fernando Henrique, Florestan Fernandes eram os caras que queria mudar o Brasil. Aí o Fernando Henrique tem a oportunidade e não faz? Vai para a direita? É uma coisa louca. O que aconteceu? O PT e o PSDB nasceram da mesma vértebra. Era para ser um partido só. O que acontece é que chegam ao poder e vendem a alma ao diabo. Fica igual ao que foi feito nos 500 anos. O PT teve o peito de tentar romper, rompeu e está pagando por isso.”
“Eu votei no Fernando Henrique na primeira vez [na eleição de 1993]. Achava que ele era melhor do que o Lula naquela oportunidade. E foi mesmo. O Lula foi melhor depois.”
José Dirceu e a Ditadura Militar
“Conheci o Dirceu quando entrei na faculdade [no curso de direito da PUC-SP], na década de 1960. Eu entrei na faculdade já no pau, tem uma piadinha que eu faço, que quem não era de esquerda não comia ninguém. Porque ser de direita naquela época era ou ser extremamente mau-caráter ou alienado. Alienado era bobão, não sabia nem que existia a ditadura. Eu fui um dos representantes da faculdade na UNE [União Nacional dos Estudantes]. Foi nessa época que eu fiquei mais próximo do Dirceu.”
“Não fui torturado durante a ditadura. Fui preso junto com o Zé Dirceu em Ibiúna, no congresso da UNE,e m 1968. Eu fiquei preso uns dois meses, levei uns tapas na cabeça, quando ia para o Dops [Departamento de Ordem Política e Social] prestar depoimento.”
“A coisa ficou pesada depois do AI-5 [ato institucional que restringiu mais as liberdades civis], eu fui solto dois dias antes, foi a maior sorte. No dia 13 de dezembro, fui na faculdade, no Tuca e o porteiro disse que a polícia tinha ido atrás de mim, de armas. Nunca peguei em armas, fui embora para o Rio, e fiquei prestando apoio logístico para uma organização de esquerda. A única ação que eu fiquei sabendo depois e eu participei foi transportar o dinheiro tirado de um cofre do governador Adhemar de Barros [1901-1969].”
“O meu contato com a organização era um concunhado que foi preso junto com a Dilma, na rua da Consolação. Só tinha duas atitudes, ou entrar na luta armada ou deixar a organização. Minha companheira estava grávida do meu primeiro filho. Conversamos. Eu nunca pensei que poderíamos derrotar as forças armadas. Éramos 500 mil, 600 mil estudantes, tinha operário e militar, mas a grande maioria era estudante classe média.”
“Foi quando eu fui para a Europa, em 1972, para Londres, Amsterdã. Virei místico, fui estudar hinduísmo, filosofia oriental. Fiz ioga, meditação, macrobiótica, fui vegetariano, meditava quatro vezes por dia, vivia numa ilha grega, comendo frugal. Lá tomei ácidos. Muitos com orientação, para fazer pesquisa. Tinha um livro que ensinava. Tinha uma pessoa que brincava com o incenso. O contato foi maravilhoso. Era algo cósmico. No Brasil, enquanto a gente estava gritando paz no Vietnã, nos EUA eles gritavam ‘make love’ [faça amor]. Era a mesma coisa, mas um tinha um lado hippie, lisérgico. A minha geração, alguns amigos ficaram na esquerda, outros fizeram a revolução já hippie. Eu tive o privilégio de fazer parte dos dois lados.”
“Quando voltei ao Brasil anos depois, fui dar aulas em Pelotas, me desliguei dessa parte política e me foquei na arte. Me meti na profissão, fui ter filho e cuidar deles como o John Lennon fez. Limpando a bunda, acordando de madrugada para dar de mamar. Sendo um pai e mãe. Dividindo igualmente tudo e foi lindo.Depois fui para Porto Alegre, comecei a produzir música, levei Gilberto Gil, Rita Lee, Novos Baianos. Montei uma peça do Chico Buarque, ‘Saltimbancos’. Acabei fazendo um filme muito louco, ‘A Intrusa’, ganhei um prêmio em Gramado e a Globo estava lá e me chamou.”
Internet
“Na segunda eleição do Lula, eu tinha um blog e fui muito atacado. Eu estava no Acre, fazendo a minissérie ‘Amazônia’. Aquela eleição já foi muito radicalizada. Eu sou viciado em internet há muito tempo. Fui um dos primeiros atores a ter uma senha do Ministérios das Comunicações. Em 1994, 1995, já usava internet num provedor que o Betinho [Hebert de Souza] tinha por causa do Ibase [Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas]. Eu, o Paulo Betti, o Pedro Paulo Rangel fomos os primeiros atores a usar internet. Eu fiz muito ator comprar computador e ter internet. O mais comum era ouvir ‘não gosto de internet’. Mas no futuro ia ser algo como não gostar de telefone, de liquidificador. O José Mayer me apelidou de Zé Windows.”
“Sou geminiano, gosto de comunicação e cai no Twitter com a história da campanha da Dilma, que foi a primeira campanha em que as redes sociais foram muito usadas.”
Dilma Rousseff
“Não tive contato com a Dilma durante a ditadura. A gente era da mesma organização [VAR-Palmares]. Só se for fazer muita ilação. Não vou dar uma de Joaquim Barbosa…”
“Lula é Dilma e Dilma é Lula. Isso é um mantra, a cumplicidade dos dois é total. Quando o Lula começou com essa história de ter Dilma como candidato, todo mundo assustou. O pessoal do PT mesmo, o Lula pirou, como faz? Nunca tinha acontecido isso, uma pessoa que não tinha ganhado nenhuma eleição ser candidata a presidente.”
Ministério da Cultura e a Política de Cotas
“Eu não sei o que foi aquilo [Ana de Hollanda]. Um dia a gente ainda vai saber o que aconteceu. Depois ferrou, a Dilma é teimosa, não ia tirá-la na pressão. Ela esperou acabar tudo para trocar o ministério. A Ana é esquisita, uma pessoa difícil. Eu fui falar com ela uma vez, foi muito difícil. Quando entrou, batia de frente com o PT inteiro, com os deputados todos que cuidavam da cultura. Achei uma desfaçatez com o ministério da Cultura.”
“Agora precisa um levantamento para saber o deve ser feito. Mas a chegada da Marta [Suplicy] foi muito boa.”
“Sou a favorzaço de cota em tudo. Nós temos uma dívida. Há quantos anos um negro não podia entrar na faculdade? Podia pela lei, mas não entrava. Não tinha oportunidade igual. Na minha classe, tinha um negro em 50 alunos. Os ricos têm a impressão de que vão roubar deles. Mas o Lula conseguiu mostrar que dá para dividir e eles ganharam mais dinheiro ainda porque entrou muita gente no mercado para comprar coisas. Por mais que a Dilma dê porrada nas montadoras, elas estão amando a presidente.”
“Foi uma surpresa [cota para negros em edital do MinC], eu não li o projeto, mas a rigor, eu acho que o Brasil tem um débito muito grande e se for contar a escravatura, o débito não se paga nunca.”
“Não esperava que o Brasil fosse dar esse salto de assumir que é racista, de o governo assumir que existe racismo, de que existem problemas sérios, de que o brasileiro não é cordial com os seus. O brasileiro sabe explorar seus empregados. Hoje em dia, ter empregada doméstica está cada vez mais difícil. É claro! Quem quer lavar a cueca de um marido que não seja seu. É degradante.”
Futuro do PT e Presidência em 2014 e 2018
“Vou chutar aqui. Se o Eduardo Paes [prefeito do Rio] fizer um puta governo, agora com a Olimpíada, com a Copa, vai ganhar uma visibilidade absurda, pode enlouquecer e querer ser presidente pelo PMDB, sem ter sido governador. Obviamente, o Eduardo Campos [governador de Pernambuco, pelo PSB] é uma coisa natural, neto do Miguel Arraes.”
“O PSDB está acabando, o DEM acabou, o partido do Kassab [PSD] conseguiu algumas coisas, mas ele tomou o partido e agora está perdendo força. Kassab quis ser o Lula. Se o Haddad fizer um bom governo, se for eleito prefeito e ficar quatro, depois mais quatro pode ser um candidato em 2018. Daqui a seis anos o Lula ainda tem idade para tentar a presidência, mas se eu fosse ele, ia ser governador de São Paulo, só para acabar com a brincadeira [do PSDB]. Aí ficava Lula, Dilma e Haddad. São Paulo ia ser capital do mundo.”
Entrevista concedida a Alberto Pereira Jr. (RJ), Folha
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