A questão social bate à porta da Faculdade de Direito da USP. Estudantes protagonizaram um espetáculo de cidadania ao organizarem um ato em solidariedade aos moradores de rua expulsos do entorno do prédio da Faculdade, pela Guarda Civil Metropolitana
Na noite de 17/09/12, estudantes da Faculdade de Direito da USP protagonizaram um espetáculo de cidadania ao organizarem um ato, que se estendeu até a manhã do dia seguinte, em solidariedade aos moradores de rua que foram expulsos do entorno do prédio da Faculdade, por ação da Guarda Civil Metropolitana.
Em apoio ao ato, cumpre consignar.
O local destinado a uma instituição pública de ensino jurídico deve ser reservado à produção de conhecimentos voltados à compreensão dos problemas das relações humanas, buscando a normatividade necessária para a superação desses problemas, vislumbrados numa perspectiva evolutiva do sentido da condição humana.
No Estado Democrático de Direito Social as instituições públicas e privadas, regidas pela ordem constitucional, devem funcionar em favor da construção da justiça social, ou seja, da eliminação das desigualdades econômicas, sociais, culturais e políticas, constituindo aparatos físicos e abstratos para a formulação de racionalidades e de práticas destinadas a conferir a todos os cidadãos uma existência digna e ao corpo da sociedade uma convivência solidária e pacífica.
Assim, foi uma irracionalidade contrária aos projetos da construção de uma sociedade formada à luz do Direito Social a atitude de se utilizar a força do Estado para retirar das bordas de um prédio público, no qual se situa uma Faculdade de Direito, pessoas que foram alijadas das políticas públicas desse mesmo Estado e que encontraram naquele local uma forma precária de moradia, fazendo-o, inclusive, como ato político para transmitirem a mensagem da sua existência.
Retirar os moradores do local, sem a formulação de um projeto mais amplo de compreensão e de superação das causas da exclusão, efetuando-se, por conseguinte, apenas um deslocamento de pessoas, trata-se de uma negativa do Estado em assumir sua responsabilidade perante o problema.
A Faculdade, acatando pacificamente a situação, demonstrar-se-ia imprópria para a formulação de saberes jurídicos necessários ao enfrentamento da questão social.
É preciso reverter essa situação, mas não para que volte ao que era, vez que isso representaria uma simples reivindicação em favor da persistência da injustiça social.
Reivindicar a retomada da ocupação do espaço em questão pelos moradores de rua é um passo importante, mas é preciso ir além.
Essencial que se passe ao momento da superação dos obstáculos físicos e mentais que separam as pessoas que estão dentro e fora do prédio.
Relevante que não mais se tratem essas pessoas meramente pela fórmula abstrata e impessoal de “moradores de rua”, embora a expressão tenha forte e importante conotação política. Necessitamos conhecer quem são, de fato, essas pessoas. Qual sua história de vida? Que dilemas e angústias lhes afligem? Poderemos, então, formular saberes e desenvolver práticas solidárias válidas para o caso e para a constituição do sentido de cidadania, visualizando esses efeitos como expressão necessária da vivência jurídica.
Nesse contexto, a iniciativa dos alunos da Faculdade ao tomarem para si a responsabilidade de enfrentamento do problema, não permitindo que a situação, que reflete mais uma forma de violência do Estado frente à questão social, ficasse despercebida ou que fosse vista como normal e necessária, merece aplausos. Em concreto, a sua atitude resgata a todos nós como seres humanos e restitui à instituição do Largo de São Francisco um pouco de dignidade!
Por Jorge Luiz Souto Maior(*) – Graduação em Direito pela Faculdade de Direito Sul de Minas (1986), Mestrado (1995) e Doutorado (1997) em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pesquisa, em nível de pós-doutorado, realizada na França em 2001, financiada pela CAPES, sob orientação do Prof. Jean-Claude Javillier, professor da Universidade de Paris-II. Atualmente é professor livre docente da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito do Trabalho, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito do Trabalho, Teoria Geral do Direito do Trabalho, História do Direito do Trabalho, Direitos Humanos, Processo do Trabalho e Justiça do Trabalho.