EUA testaram armas químicas em pobres e negros durante a Guerra Fria, diz pesquisadora. Nas décadas de 1950 e 1960, periferia da cidade de Saint Louis, no Missouri, serviu de cobaia em testes de compostos tóxicos
Sob a alegação de que estavam testando um escudo contra ataques nucleares soviéticos na cidade de Saint Louis, militares norte-americanos pulverizaram sobre a população local compostos empregados na fabricação de armas químicas. É o que revela um estudo conduzido por Lisa Martino-Taylor, professora de sociologia da Faculdade Comunitária de Saint Louis que vasculhou documentos públicos e que verificou casos de envenenamento por sulfeto de cádmio e zinco durante as décadas de 1950 e 1960.
Segundo o estudo, as Forças Armadas dos EUA patrocinaram os testes especificamente em áreas socialmente segregadas, de elevada densidade populacional, onde a predominância era de cidadãos negros e de baixo poder aquisitivo. Em entrevista ao jornal local KSDK, ela se disse “muito chocada com o grau de falsidade e sigilo” das autoridades responsáveis pelas operações. “Eles claramente se esforçaram ao máximo para enganar as pessoas”, concluiu.
Os testes de armas químicas sobre humanos teriam sido produto do que Lisa chama de Coalizão Manhattan-Rochester, um programa de pesquisas do governo norte-americano que tentou mensurar no contexto da Guerra Fria o impacto de reações radioativas no organismo humano. Experimentos semelhantes também teriam ocorrido na cidade de Corpus Christi, estado do Texas.
A maior parte dos compostos tóxicos era despejada por meio de aviões durante voos rasantes sobre os alvos. No entanto, Lisa alega que pulverisadores também eram posicionados no alto de arranha-céus e torres meteorológicas da região. Em 1953, foram ao todo 16 testes – não menos que 35 disparos de sulfeto de zinco e cádmio em Saint Louis. A vizinhança mais afetada é descrita por Lisa como “uma favela densamente povoada”, onde residiam cerca de 10 mil cidadãos de renda baixa, em sua maioria crianças.
Esclarecimentos
Surpresos com os resultados obtidos por Lisa, parlamentares estaduais pediram esclarecimentos às Forças Armadas nesta segunda-feira (22/10). “A ideia de que milhares de cidadãos do Missouri foram expostos a materiais tóxicos contra a própria vontade para determinar seus efeitos sobre a saúde é absolutamente chocante. Não deveria ser surpresa que estas pessoas e suas famílias estejam exigindo respostas dos oficiais do governo”, disse à AP o senador estadual republicano Roy Blunt.
A democrata Claire McCaskill, coelga de Blunt, também pediu maiores esclarecimentos ao secretário do Exército, John McHugh.”Tanto o Senado quanto a Câmara dos Comuns conduziram investigações ao longo dos anos 1990, mas nada nunca foi concluído, explica Lisa Martino-Taylor. Para ela, o pior erro foi “jamais ter procurado aqueles que realmente foram afetados”.
Radiotividade
A pesquisa não foi capaz de concluir com precisão se realmente havia compostos radioativos em meio à mistura de sulfeto de cádmio e zinco. Em sua entrevista ao jornal KSDK, Lisa diz que “há várias evidências de que houve compostos radiológicos envolvidos no experimento”.
Sua hipótese principal é de que a esta mistura foram adicionadas partículas fluorescentes, utilizadas para “iluminar” os alvos e identificá-los para outros testes. Há suspeita de que uma companhia chamada US Radium esteve envolvida com esta parte do experimento.”US radium já havia sido legalmente responsabilizada por produzir uma tinta radioativa que matou diversas pintoras de azulejos radioativos”, alega.
Leia a íntegra do estudo aqui (em inglês)
Questionada sobre os futuros passos de sua pesquisa, ela revela que o importante foi ter revelado “que tudo isso foi uma violação de toda a ética médica, de todos os códigos internacionais e até mesmo de todo o regimento militar da época”.
Opera Mundi
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