Nenhuma sigla partidária foi tão estigmatizada pelo jogral composto por âncoras da imprensa escrita, falada e televisionada, e as novas celebridades de toga no período recente; entenda
Por Luiz Marques*
Alguns analistas têm destacado o crescimento, em escala nacional, do PSTU que conquistou duas vagas de vereadores e sobretudo do PSOL que passou de 25 para 49 cadeiras nos parlamentos municipais, nessas eleições. Com base no resultado alcançado no Rio de Janeiro por Marcelo Freixo, quase 30% dos votos do eleitorado, insinuam que a legenda do PSOL começa a substituir o PT no coração e nas mentes das classes trabalhadoras. A densidade eleitoral e a visibilidade política da grande metrópole do centro do país justificaria o enunciado apocalíptico.
Trata-se de um exagero retórico. O que não se diz, no caso em tela, é que Freixo foi beneficiado pelo sucesso do filme de maior bilheteria na história do cinema brasileiro: “Tropa de Elite 2”. Se a primeira versão da série vendera antes 4 milhões de ingressos, a segunda ultrapassou a casa dos 11 milhões de espectadores, transformando-se em um fenômeno de público. O filme, aos moldes hollywoodianos, com muita ação, violência e tiros, reproduzido na TV aberta e fechada, tinha dois mocinhos.
Um agia nas ruas e nas favelas para combater o narcotráfico, era encarnado pelo tenente-coronel Nascimento (Wagner Moura). Outro militava com a palavra em favor dos direitos humanos e contra a corrupção policial, representado pelo deputado Fraga (Irandhir Santos), inspirava-se em um personagem real, o deputado psolista Freixo, que se notabilizou na Assembléia Legislativa por combater as milícias paramilitares da Cidade Maravilhosa. Destacar o impulso à candidatura vindo da sétima arte não retira o mérito de seu desempenho. Por analogia, assinalar que o edil mais votado na Câmara Municipal de Porto Alegre, Pedro Ruas (PSOL), beneficiou-se de ter concorrido a governador em 2010 não deslustra sua façanha: sublinha uma particularidade.
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É insofismável que a exposição fílmica magnificou a popularidade de Freixo, no contexto de um embate que o PT não apresentou alternativa e, por injunções da base aliada do Palácio do Planalto, apoiou o peemedebista Eduardo Paes, até pouco tempo filiado no PSDB. Nesse cenário deu-se o crescimento do esquerdismo entre os eleitores cariocas. Nada que autorize generalizações apressadas para relativizar a posição de liderança do PT no espectro da esquerda continental, como se o pleito apontasse uma dispersão dos votos vocacionados à esquerda daqui em diante no país. Os que insistem no falso juízo, parodiando o subtítulo da película de sucesso dirigida por José Padilha, têm consciência de que “o inimigo (das elites econômicas) ainda é o mesmo”.
Não é o único aspecto a ressaltar, findo o primeiro turno. Antes das eleições, as baterias midiáticas miraram o “mensalão do PT” nas sessões do STF, em sintonia fina com cada etapa do processo eletivo. A concatenação entre a mídia comercial e o Poder Judiciário interviu de forma explícita no desdobramento da disputa. Nenhuma sigla partidária foi tão estigmatizada pelo jogral composto por âncoras da imprensa escrita, falada e televisionada, e as novas celebridades de toga no período recente. Isso inibiu a tradução da aprovação da população aos governos Lula e Dilma em votos para os representantes do PT, em especial os proporcionais com uma identidade histórica com a agremiação da estrela. Não à toa, diversos secretários municipais que concorreram naufragaram nas urnas, apesar do conceito positivo desfrutado pelas administrações a que serviam. Provável efeito subliminar da exploração orquestrada.
Se Guy Debord, em 1967, chamou a atenção para a “sociedade de espetáculo”, onde o que parece ser possui mais força no imaginário social do que o próprio ser, agora o sintoma da espetacularização penetrou a alta esfera encarregada de zelar pela Justiça. Em meio a noções estranhas ao Estado Democrático de Direito, em um momento de absoluta estabilidade institucional, o ministro Joaquim Barbosa, relator por sorteio do estrepitoso caso, recorreu ao argumento do “domínio dos fatos” para espalhar condenações amparado em uma lógica dedutiva à revelia das provas materiais. Também para os honrados senhores que protagonizaram o show de quinta categoria republicana a aparência sobrepujou a essência, ao emitirem sentenças sob aplauso do jornalismo marrom.
A lição que fica é evidente: a) para garantir a necessária serenidade aos julgamentos e afastar as pressões externas, nos Estados Unidos as sessões da suprema Corte são realizadas a portas fechadas – é o que sugere o bom senso; b) para fortalecer a cidadania e aprofundar as liberdades cidadãs, na Argentina o Congresso aprovou a Ley dos Medios proibindo a propriedade cruzada dos meios de comunicação – é o que se propõe a regulamentação da mídia atacada pelos donos da opinião pública.
No que concerne às avaliações iniciais sobre a expressão cívica da vontade geral, as baterias do ressentimento político enalteceram ilações igualmente desgastantes para o principal algoz do conservadorismo. Certos veículos de comunicação não tiveram pejo em manipular os números para minimizar os votos do PT no Rio Grande do Sul em 2012, na comparação com 2008, abstraindo as votações sub judice dos candidatos petistas em Novo Hamburgo (Tarcísio Zimmermann) e Gravataí (Daniel Bordignon). Ambos vítimas dos excessos alheios ao princípio da dosemetria contidos na Lei do Ficha Limpa e, para coroar o injusto martírio, vítimas da campanha divulgada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), “Valorize seu voto, vote pela sua cidade, vote limpo”.
Com esse expediente escuso e condenável, o jornal Zero Hora tentou provar (sic) a tese do pretenso esmorecimento do prestígio do PT junto ao povo gaúcho. No RS, não obstante, ao contrário do exposto, o partido foi vitorioso. Obteve em torno de 1,5 milhão de votos. Governava 60 prefeituras e elegeu prefeitos em 73 municípios em 7 de outubro, sendo 16 entre os 50 maiores, e concorre no segundo turno em Pelotas. Totalizou 656 vereadores, antes dispunha de 500 no estado. Que destacasse a derrota na capital e sugerisse linhas explicativas, seria elogiável. Que promova um eclipse aritmético para fechar uma contabilidade interessada, é inconcebível do ponto de vista jornalístico. Quem, com razão, defende a “ética na política” deveria começar por defender a decência em suas páginas. Como nos versos de Brecht, “ esse é o nosso programa / uns dirão que é muito / outros dirão que é pouco / nós dizemos que é o mínimo”.
Para encerrar o comentário, vale salientar que a vitória de Fernando Haddad em São Paulo, pela dimensão político-ideológica e por ocorrer no antigo e longevo ninho tucano, tende a fechar o ciclo dos expoentes do neoliberalismo (PSDB, DEM, PPS) e a fragilizar o ímpeto já debilitado da oposição ao projeto liderado pelo petismo / lulismo. Nesse ambiente, é possível apostar em condições mais favoráveis para que os movimentos sociais, as centrais sindicais e inclusive o PT se manifestem com maior desenvoltura e combatividade na sociedade civil, sem temer uma instrumentalização direitista como corria o risco em conjunturas passadas.
Na prática, significa que se abrirá o horizonte para um crescente jogo de pressões feitas pela esquerda sobre o governo federal em apoio à universalização de direitos, à superação de desigualdades sociais e regionais e à recomposição das funções do Estado. Assim seja.
*Luiz Marques é professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
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