Revisor Ricardo Lewandowski cortou corrente do pensamento único e absolveu ex-presidente do PT José Genoíno da acusação de corrupção ativa; apontou “situação kafkiana” e justificou com falta de provas; abriu, assim, esperança, ainda que tênue, de virada favorável ao ex-ministro chefe da Casa Civil; qual é, afinal, a prova provada, irrefutável e definitiva contra José Dirceu?
Quando parecia, a julgar pela maior parte do noticiário da mídia, que eram favas contadas a condenação unânime de todos os principais réus na acusação de corrupção ativa da Ação Penal 470 – José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Marcos Valério –, eis que o revisor Ricardo Lewandowski veio quebrar o coro do pensamento único. Ficou, após a leitura histórica, uma pergunta no ar: os argumentos apresentados com ênfase por ele para declarar-se pela absolvição do ex-presidente do PT José Genoíno podem beneficiar também o ex-ministro chefe da Casa Civil José Dirceu?
No início da noite da quarta-feira 3, logo em seguida ao voto condenatório de todos esses réus pelo relator Joaquim Barbosa, Lewandowski igualmente condenou o “onipresente” no processo Delúbio Soares, mas deteve-se sobre a situação de Genoíno, a quem considerou envolvido numa “situação kafkiana”.
“Não podemos criminalizar a política”, disse Lewandowski, ali pelo metade da leitura resumida de seu voto, quando já estava claro que ele absolveria o ex-presidente do PT da acusação de corrupção ativa. “No dia em que um presidente de partido político não puder sentar com outro presidente de partido político, aí nós estaremos voltando para os tempos da ditadura Vargas, para os tempos das oligarquias rurais que decidiam eleições a bico de pena”, ensinou.
Apontando falhas grosseiras na investigação feita pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e pelos integrantes do Ministério Público, que não buscaram o contraditório nem fizeram acareações sobre a delação do presidente licenciado do PTB Roberto Jefferson, Lewandowski sustentou que Genoíno foi envolvido “numa situação kafkiana”, na qual se lançaram “um monte de acusações genéricas e ele que se virassse para provar inocência”.
O revisor sustentou que nenhum depoimento colhido nos autos apontou o ex-presidente do PT como participante de conversas que envolveram entrega de dinheiro em troca de apoio político, mas, ao contrário, apenas de negociações políticas legítimas. Disse ainda que, no tocante a um empréstimo de R$ 3 milhões feito pelo PT junto ao banco Rural, Genoíno deu seu aval por força de estatuto e lembrou que o empréstimo foi quitado.
Na retomada do julgamento, Lewandowski continuará com a palavra. Durante seu voto, ele foi interrompido uma vez pelo relator Barbosa. “Eu nem considero esse banco Rural como entidade séria”, disse ele, para ilustrar porque não considerou como atenuante para Genoíno o fato de o empréstimo feito pelo PT na instituição ter sido quitado e incluído na prestação de contas do partido à Justiça Eleitoral. “Mas nesse caso a quitação foi comprovada em juízo”, rebateu o revisor.
Pouco depois, quando ele prosseguia com seus argumentos de que Genoíno, em sua ótica, nada mais fizera do que exercer uma legítima atividade política – e não tecer conluios e praticar corrupção ativa –, foi a vez de o ministro Marco Aurélio Mello atalhá-lo. “Estou quase me convencendo de que o PT não distribuiu dinheiro aos partidos políticos”, ironizou, quase num sorriso. O revisor, entretanto, não aceitou a provocação.
As duas objeções mostram, é certo, que não será fácil para que a posição de Lewandowski prevaleça também para Dirceu, contra quem igualmente não há sequer provas testemunhais de ordenamento de movimentação ilícita de dinheiro e prática de corrupção ativa. O voto condenatório do relator Barbosa foi dado a partir de conexões que podem se justificar a partir da tese de “forte indícios”.
Nem sequer se sabe, adiante-se, se o próprio Lewandowski irá absolver Dirceu sob a mesma base de argumentos e fatos (no caso, ausência de) que beneficiaram Genoíno em seu voto. Mas que ao menos o pensamento único foi quebrado, abrindo uma possibilidade de surpreendente virada para a defesa de Dirceu – ainda que tênue –, isso também é verdadeiro. No momento decisivo, o voto de Lewandowski mostrou que só as togas são iguais, não os juízes.
Brasil 247