Jurista alemão Claus Roxin, teórico do domínio do fato, avalia que teoria foi usada de forma errada por Joaquim Barbosa e demais ministros do STF. “É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito”
Nas últimas semanas, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) citaram a teoria do ‘domínio do fato’ do jurista alemão Claus Roxin, 81. Conforme a teoria, o autor não é só quem executa o crime, mas quem tem o poder de decidir sua realização e faz o planejamento estratégico para que ele aconteça. Esse foi um dos fundamentos usados por Joaquim Barbosa na condenação do ex-ministro José Dirceu. Roxin, porém, enfatizou que essa decisão precisa ser provada e que indícios não são suficientes para uma condenação.
“Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser provado”, diz Roxin. Ele esteve no Rio há duas semanas participando de seminário sobre direito penal.
Em entrevista para a Folha, o jurista alemão disse que não é possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica. “A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso”, afirmou. Disse ainda que o dever de conhecer os atos de um subordinado não implica em co-responsabilidade. “A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato”, pontuou.
Sobre a pressão da opinião pública e possível influência na decisão do juiz ele destacou: “Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública”.
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Insatisfeito com a jurisprudência alemã –que até meados dos anos 1960 via como participante, e não como autor de um crime, aquele que ocupando posição de comando dava a ordem para a execução de um delito–, o jurista alemão decidiu estudar o tema.
Leia abaixo a entrevista.
O que o levou ao estudo da teoria do domínio do fato?
Claus Roxin – O que me perturbava eram os crimes do nacional socialismo. Achava que quem ocupa posição dentro de um chamado aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute um delito, tem de responder como autor e não só como partícipe, como queria a doutrina da época.
Na época, a jurisprudência alemã ignorou minha teoria. Mas conseguimos alguns êxitos. Na Argentina, o processo contra a junta militar de Videla [Jorge Rafael Videla, presidente da Junta Militar que governou o país de 1976 a 1981] aplicou a teoria, considerando culpados os comandantes da junta pelo desaparecimento de pessoas. Está no estatuto do Tribunal Penal Internacional e no equivalente ao STJ alemão, que a adotou para julgar crimes na Alemanha Oriental. A Corte Suprema do Peru também usou a teoria para julgar Fujimori [presidente entre 1990 e 2000].
É possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica?
Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.
O dever de conhecer os atos de um subordinado não implica em co-responsabilidade?
A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção [“dever de saber”] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados.
A opinião pública pede punições severas no mensalão. A pressão da opinião pública pode influenciar o juiz?
Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso nãocorresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública.
Folha e Agências
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