Novo livro do filósofo esloveno faz uma análise crítica de 2011, ano no qual emergiu uma série de mobilizações globais de caráter contestatório. Sua análise esquadrinha tanto o que chama de “sonhos emancipatórios” como os “sonhos destrutivos” que motivaram, por exemplo, a chacina de Anders Breivik, na Noruega, e outros movimentos racistas e ufanistas que eclodiram por toda a Europa
Este novo livro do filósofo esloveno Slavoj Žižek, lançado no Brasil pela Boitempo Editorial, oferece uma análise crítica de 2011, “o ano em que sonhamos perigosamente”, como já aponta o título, e no qual emergiu uma série de mobilizações globais de caráter contestatório. A obra dá continuidade ao trabalho de reelaboração teórica já anunciado nos livros “Em defesa das causas perdidas” e “Vivendo no fim dos tempos”. Invocando a expressão persa war nam nihadan – “matar uma pessoa, enterrar o corpo e plantar flores sobre a cova para escondê-la” – a fim de descrever o atual processo de neutralização desses acontecimentos e seus significados, Žižek coloca-se diante da difícil tarefa de pensar a conjuntura global sob uma perspectiva renovadora. Por isso, tem sido considerado um dos mais originais e provocativos teóricos da contemporaneidade.
A forma aberta e o estilo ensaístico despojado desta coletânea de oito ensaios sustentam o obtuso equilíbrio entre uma articulação interdisciplinar e o que o jornalista Ivan Marsiglia, que assina a orelha do livro, descreve como a “ousadia de uma abordagem totalizante da realidade social, em tempos de saberes hiperespecializados”. Não é à toa que o livro remete também ao complexo conceito de “mapeamento cognitivo” desenvolvido por Fredric Jameson, um dos expoentes atuais desta tradição teórica.
Os dois ensaios iniciais, “Da dominação à exploração e à revolta” e “O ’trabalho de sonho’ da representação política”, tecem justamente considerações sobre o capitalismo atual e apresentam o desenvolvimento de uma teoria global dos impasses da representação ideológico-politica. Já os quatro ensaios centrais “O retorno da má coisa étnica”; “Bem-vindo ao deserto da pós-ideologia”; “Inverno, primavera, verão e outono árabes”; e “Occupy Wall Street, ou o silêncio violento de um novo começo” concentram-se na análise detida dos diversos movimentos que marcaram 2011.
Sua análise esquadrinha tanto o que chama de “sonhos emancipatórios” (Primavera Árabe, Occupy Wall Street, levantes em Londres e Atenas) como os “sonhos destrutivos” que motivaram, por exemplo, a chacina de Anders Breivik, na Noruega, e outros movimentos racistas e ufanistas que eclodiram por toda a Europa. O desafio está em situar a multiplicidade dos acontecimentos no interior do campo de forças produzido pelo capitalismo. “Para decifrar a ‘circulação autopropulsora do capital’, que hoje prescinde até da burguesia e dos trabalhadores, Žižek reafirma, em termos freudianos, a ideia de luta de classes: assim como diz Freud a respeito da sexualidade, não é que tudo se resuma à luta de classes, mas a luta de classes se faz presente em tudo”, interpreta Marsiglia.
Os ensaios “The Wire, ou O que fazer em épocas não eventivas” e “Para além da inveja e do ressentimento” refletem, a partir da cultuada série americana The Wire e de uma análise mais detida do pensamento do filósofo Peter Sloterdijk, sobre o desafio de combater o sistema sem contribuir para aprimorar seu funcionamento. Por fim, em “Sinais do futuro” Žižek anuncia um descontentamento subterrâneo em marcha e, prevendo uma nova onda de revoltas, situa o ano de 2012 em um presente que guarda o potencial oculto de um futuro utópico, manifesto em fragmentos limitados, distorcidos e até pervertidos.
Trecho do livro
“Marx descreveu a má circulação do capital, que se aperfeiçoa e cujo caminho solipsista da autofecundação chega ao apogeu nas especulações metarreflexivas da atualidade sobre os futuros. É simplista demais afirmar que o espectro desse monstro que se aperfeiçoa e segue seu caminho negligenciando qualquer preocupação humana ou ambiental seja uma abstração ideológica, e que por trás dessa abstração haja pessoas reais e objetos naturais em cujos recursos e capacidades produtivas se baseia a circulação do capital e dos quais o capital se alimenta como um parasita gigante.
O problema é que, além de estar em nossa má percepção da realidade social da especulação financeira, essa abstração é real no sentido preciso de determinar a estrutura dos processos sociais materiais: o destino de todas as camadas da população, e por vezes de países inteiros, pode ser decidido pela dança especulativa solipsista do capital, que persegue seu objetivo de lucratividade com uma indiferença abençoada em relação ao modo como seu movimento afetará a realidade social.”
Sobre o autor
Slavoj Žižek nasceu em 1949 na cidade de Liubliana, Eslovênia. É filósofo, psicanalista e um dos principais teóricos contemporâneos. Transita por diversas áreas do conhecimento e, sob influência principalmente de Karl Marx e Jacques Lacan, efetua uma inovadora crítica cultural e política da pós-modernidade. Professor da European Graduate School e do Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana, Žižek preside a Society for Theoretical Psychoanalysis, de Liubliana, e é diretor internacional do Instituto de Humanidades da Universidade Birkbeck de Londres. O ano em que sonhamos perigosamente é o seu oitavo livro traduzido pela Boitempo. Dele, a editora também publicou Bem vindo ao deserto do Real!, em 2003, Às portas da revolução: escritos de Lenin de 1917, em 2005, A visão em paralaxe, em 2008, Lacrimae Rerum, em 2009, Em defesa das causas perdidas e Primeiro como tragédia, depois como farsa, em 2011 e Vivendo no fim dos tempos, em 2012.
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