'Tolerância Zero' com corrupção só funcionou uma vez na história do Brasil
Por ironia do destino, Carlos Cachoeira, o maior criminoso do Brasil, ganhou a liberdade na véspera da leitura do relatório da CPMI que o investigou
Helena Sthephanowitz, Rede Brasil Atual
Quem estava imaginando que o Judiciário brasileiro havia entrado em uma era de “tolerância zero” com escândalos de corrupção, após o julgamento do chamado “mensalão” – uma vez que até deduções valeram para substituir provas – acorda nesta quarta-feira (21) diante da velha impunidade, quando o escândalo envolve um governador tucano.
O bicheiro Carlinhos Cachoeira estava em prisão temporária. Recebeu a primeira condenação devido à Operação Saint Michel, por tráfico de influência e formação de quadrilha. Uma pena de cinco anos de prisão em regime semiaberto (dormiria na cadeia e sairia durante o dia para trabalhar). Como ainda pode recorrer à instâncias superiores, ficará em liberdade até todos os recursos possíveis serem julgados, o que pode levar anos.
Ah… a pena inclui também multa de cerca de R$ 3 mil. Para quem acumula mansões, fazendas, apartamentos de luxo no Rio de Janeiro, iates e imóvel em Miami, segundo as investigações, convenhamos, é bem pouco.
É curioso comparar a punição dada ao bicheiro com a dosimetria aplicada ao chamado “mensalão” – lembremos que as investigações apontam envolvimento do governador tucano Marconi Perillo (GO) em contravenções. Além de condenação sem provas em alguns casos, todas as penas foram muito maiores, tanto no tempo de reclusão como no valor da multa.
Cachoeira ainda responde outros processos, decorrentes das Operações Vegas e Monte Carlo, portanto é provável que esta primeira condenação esteja tecnicamente correta, e apenas a multa esteja baixa, pois a sentença é referente a uma tentativa de fraudar a licitação de bilhetagem eletrônica no sistema de transportes do Distrito Federal. O que soa estranho é haver dois pesos e duas medidas, quando comparado às sentenças do “mensalão”. Isso só reforça a percepção de que este último foi um julgamento político, de exceção à regra.
Outra estranheza é que a razão para Cachoeira ser mantido em prisão temporária era ele ser visto como ameaça para corromper e intimidar terceiros, inclusive altas autoridades, de ser capaz de interferir no curso do processo. Um agente da polícia federal que investigou o caso foi executado, em um assassinato ainda não esclarecido. Um juiz federal afastou-se do processo alegando insegurança diante de ameaças. Outro juiz foi alvo da tentativa de intimidação pela mulher do bicheiro, quando o ameaçou com a publicação de um dossiê contra ele na revista Veja, chegando a dizer que o diretor da revista, Policarpo Júnior, era “empregado” de Cachoeira.
À exceção desta última ameaça não há provas do bicheiro estar ligado aos outros fatos, afinal há muita gente envolvida. Mas as coincidências inspirariam cautela, pelo menos até os processos das operações Monte Carlo e Vegas estarem encaminhados, a salvo de maiores interferências.
Por ironia do destino, Cachoeira ganhou a liberdade na véspera da leitura do relatório da CPMI que o investigou.