Descriminalização do aborto entra em vigor no Uruguai, mas decisão pode passar por referendo. Presidente José Mujica é um dos que defende a consulta à população; são necessárias 52.400 assinaturas
Todas as mulheres uruguaias ou residentes há mais de um ano no Uruguai podem iniciar o processo de aborto nos centros de saúde do país, desde que o período de sua gravidez seja de até 12 semanas. A medida em questão entrou em vigor nesta segunda-feira (03/12).
O movimento de oposição, porém, também entrou em ação. Até agora, foram coletadas mais de 6 mil assinaturas na capital Montevidéu para que se realize um referendo popular para anular a lei. Grupos sociais e políticos, liderados pelo deputado nacionalista Pablo Abdala, têm cinco meses para juntar 52.400 assinaturas, número correspondente a 2% do eleitorado. Uma vez apresentadas, a Corte eleitoral deve realizar uma consulta pública, que resultará em um plebiscito caso 25% dos 600.000 uruguaios aptos a votar o aprove.
Mesmo durante as discussões no Senado, que aprovou a proposta de lei no dia 17/11, legisladores a favor e contra o aborto pediram a realização de um plebiscito. O presidente José Pepe Mujica indicou ontem que também defende a ideia. “Eu sempre expressei claramente que era um tema que deveria ser regulado não pelo Parlamento, mas por decisão popular”, disse.
O pré-candidato presidencial nacionalista Jorge Larrañada adiantou que, se for eleito em 2015, uma de suas primeiras ações será propor a anulação da lei.
Além disso, ativistas que apoiaram a lei estão insatisfeitos. Martha Aguñín, porta-voz do coletivo Mujeres y Salud en Uruguay, considera que a lei não despenaliza a interrupção voluntária da gravidez, apenas suspende a pena quando todos os trâmites e prazos forem seguidos. “As condições impostas sobre o aborto se referem mais a um paradigma de tutela profissional do que um reconhecimento da mulher como sujeito de direito”, explica em documento do MYSU.
Alejandra López, codiretora do coletivo, critica o fato de o projeto não estipular sanções caso os serviços de saúde não cumpram suas funções: “Quem garante que o sistema de saúde está em condições para implementar com a velocidade necessária os requisitos para que a mulher faça o aborto?”. De acordo com o grupo, no país de 3,3 milhões de habitantes, ocorrem cerca de 30 mil abortos por ano.
As novas regras
Em outubro, por 17 votos a favor e 14 contra, o Senado aprovou o projeto de lei que descriminaliza o aborto no país – o segundo na América do Sul a adotar a medida, depois apenas da Guiana. A promulgação ocorreu no último dia 23 por Mujica, para o qual a despenalização permitirá “salvar mais vidas”, ao restringir a prática de abortos clandestinos.
De acordo com o projeto, a mulher deve passar por um comitê formado por ginecologistas, psicólogos e assistentes sociais, que lhe informarão sobre riscos e alternativas ao aborto, a ser realizado após cinco dias de reflexão. O projeto estabelece ainda que a gravidez pode ser interrompida em casos de risco de vida para a mulher, malformações fetais incompatíveis com a vida extrauterina e, até a 14ª semana de gestação, estupro.
Autoridades sanitárias do país preferem que os abortos sejam realizados dentro de domicílios e mediante uso dos fármacos “mefipristona” e “misoprostol”, oferecidos pelas instituições. No entanto, o último está indisponível no país. A coordenadora do Programa de Saúde Sexual e Reprodutiva, Leticia Rieppi, afirmou que deveria ter chegado dia 26/11, mas se atrasou.
Ignacio Zuasnabar, diretor da empresa uruguaia de pesquisas Equipos, diz que pesquisas mostram que a maioria dos uruguaios tende a apoiar a despenalização do aborto. Apesar disso, o apoio é menor em casos de aborto por vontade da gestante, em contraposição aos casos risco de vida para mãe, má-formação fetal e estupro.
Opera Mundi, El País, IPS, BBC e Diário do Nordeste